A fronteira da poesia

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Os olhares ascendem para as nuvens pouco antes das abóbadas que passaram a flutuar acima de seus pensamentos, de modo a proteger as tais cabeças, cheias de problemas, das
descendentes gotículas apressadas para o asfalto, em uma disputa patética contra a força da gravidade.

Encolho-me em minhas roupas, entretanto, diferente do mar de consciências ao redor, não protesto contra a natureza de prontidão.  Tampouco recuo para qualquer cobertura a fim de me proteger. O guarda-chuva em repouso, observo o cobertor branco a bloquear quaisquer vislumbres que se poderia ter do vasto cosmos. Mas a mente inquieta não permitiria a si mesma ser desnorteada pela literalidade.

Logo, sob um metafísico véu, percebo, para além daquela parede almofadada, um aglomerado de pequenas criaturas humanoides com microscópicos corações a transbordar ressentimentos líquidos. Desço meu queixo para as unidades lépidas de lágrimas de anjos que descem pelo espaço logo a minha frente. Meus lábios se alargam, porém, com pesar diante da beleza melancólica. Chuva, mas de vidro. Morte de estrelas. Lamentos celestiais.

Porém, minha divagação é interceptada pela desfortuna de meu encontro com habitantes das terras denotativas. Em sua ignorância poética, parecem ser mais felizes do que eu enquanto contemplo a lástima dos seres alados que sobrevoam a camada de algodão acima.

No que penso ser o idioma nativo, um homem se manifesta: "tá chovendo". Desolada, bebo das letras gélidas para que percorressem minha faringe, apenas para me deixar de frente com minha sede. A textura das palavras não me agrada, mas a percepção me parece mais reconfortante do que assistir a lamúria de tão puras existências.

Portanto, por questão de resguardo, cá estou e tá chovendo.

▪ mensurar - avaliar, dar medidas
▪ por resguardo - por precaução

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