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Arrastava minha mala com uma certa dificuldade, apenas uma que havia decidido trazer comigo, eram apenas alguns meses certo? Minhas mãos soavam frio, e o sentimento de deslocamento estava alto, fazia um certo tempo o qual eu não ficava tão ansiosa com algo, aliás fazia muito tempo que eu não sentia nada além da solidão que havia se tornado Londres, eu o fiz se tornar assim no fim, havia parado de ir às aulas, aos poucos de sair com meus amigos e por fim de viver em sociedade afundada em casa, muitas vezes chapada sozinha ou com grupo reunido, isso me fazia bem, mas no fundo muitas vezes afundada no meu próprio desespero, cheguei ao fundo do poço depois de um tempo, e pensar que quando minha tia me notificou que eu iria ter que vir morar com ela com o pretexto que estava cansada com a auto sabotagem que eu estava fazendo comigo mesma, me dando sermões que isso era deplorável, até mesmo para alguém que viveu na posição que eu estava. Eu realmente não agia como eu costumava ser, nem ao menos conseguia fingir que estava razoavelmente okay.

Bufei puxando com certo esforço aquela mala maldita, estava com uma das rodinhas travando o que me forçava a arrastar-lá com certo esforço, péssima escolha, devia ter pego qualquer mala de mamãe, já que ela possuía várias.

Me vi parada em frente a um imenso mural o observando calmamente os anunciados fixados ali, um sorriso carregado de ironia surgiu em meu rosto, realmente esse maldito lugar não havia mudado em nada, os avisos eram os mesmos pelo que me lembro, se duvidar era o mesmo quadro velho apenas pintado com verniz para dar um toque de novo. Gatlin não era Gatlin sem essa velharia convencional, as pessoas eram tão acostumadas com suas vidas que só de cogitar em modificar algo que são acostumadas a vivenciar todos os dias deve dar uma confusão mental e um receio enorme pelo novo, minha mãe sempre frisava o quanto o povo desça cidade odiava mudanças em suas rotinas tediosas, o receio que percorria por seus corpos ao se ver em algo muito diferente de seus dias a dias... Sorri em lembrar das experiências que ela me contava sobre quase sua vida inteira nesse oposto de cidade agitada ou qualquer cidade normal comparando a Gatlin, ela me contava toda animada sobre a parte boa que viveu aqui, sua infância e adolescência lotada de exageros e diversão, adorava a ouvir, eu ficava horas ao seu lado apenas com minha cabeça deitada em seu colo enquanto ela me fazia carinho e contava animada as partes boas, riamos junto o tempo todo que conversávamos, chorávamos juntas quando a conversa ia para um assunto mais delicado mas também sorriamos lembrando de todos os lugares os quais passamos por um tempo, todos juntas como melhores amigas confidentes, ela trazia o meu melhor sempre.. a alguns dias me lembrar dessas memórias me faria ficar dentro da banheira por horas imersa nesses momentos, meus olhos arderam, pensar mais nisso só pioraria a minha situação, eu estava decidida em deixar claro mesmo cinicamente, que eu estava bem, a muitos dias eu não chorava, só estava destruída demais para sair de casa (mas esse detalhe cabia apenas a mim mesma), todos me questionavam demais e me cobravam lucidez quando sabiam que eu estava pouco me fodendo para isso.

- Oi, com licença moço - Tentei soar simpática ao senhor a minha frente que usava a roupa que julguei ser de guarda do local, enquanto o cutuquei uma única vez para atrair sua atenção - Eu estou um pouco perdida, o senhor sabe me dizer que horas esse lugar fecha?

Estava ficando frio e escuro, a noite não demoraria muito para chegar e o receio de ficar plantada ali do lado de fora da vidraça, com uma rodoviária fechada atrás de mim e apenas um celular descarregado e uma mala em minhas mãos me dava cala frios, minha tia atrasada, não podia indicar algo como "de costume" pois só a via por Skype a anos, em comunicações curtas que só se reforçaram nos últimos meses.

- Não se preocupe senhorita aqui não temos previsão para fecharmos - Ele sorriu simpático e voltou a sua atenção para seu jornal em mãos.

- Obrigada senhor - Segui calma até o banco ali perto - A tia Charli deve estar apenas atrasada, nada demais Margo! - me confortei repetindo isso a mim, apenas um atraso.

O que mamãe iria pensar se me visse nessa agonia nostálgica de estar em Gatlin? Odiávamos o tédio e sempre buscávamos rotinas novas, mas eu não quero essa, não quero um colégio novo, amigos novos e uma vida nova, eu quero a rotina londrina na sua mais crua forma, a que eu reclamava por perder o metro, meu carro vulgo sucata que eu tanto amava, o trânsito todas as manhãs que nas piores das hipóteses me atrasava para as aulas quando ainda frequentava, os amigos que me visitavam, os cafés frios rotineiros de um Starbucks, os prédios mais encantadores que rodiavam nossa casa, eu estava desacostumada com esse deslocamento, uma semelhança que dividia com meu parentesco Gatlin.

Se passaram incontáveis minutos quando avistei uma saia lápis preta ao longe, vindo em minha direção, seu rosto mantinha um olhar preocupado porém cansado, quando seu olhar se encontrou com o meu ela sorriu, abri um sorriso também me levantando logo em seguida e indo até sua direção, seu salto fazia uma sinfonia única naquele lugar tão vazio, logo que se aproximou de mim estendeu sua mão me puxando para um abraço, podia sentir a felicidade que ela estava com esse contato, ela me apertava com certa força o que não me deixava desconfortável de algum modo, era só a minha tia desnorteando carinho que a tanto tempo ela não conseguia atribuir a mim, a anos não a via mas continuava com seu perfume de canela, exatamente como me lembrava de quando eu era pequena.

- Oh meu amor - Ela se afastou um pouco para poder encarar meu rosto, me observando da cabeça aos pés - Você ficou uma mulher linda minha querida, senti tanta a sua falta! Não sabia como reagiria exatamente quando te visse, algo como borrar toda a minha maquiagem chorando, mas não tem como não parar de sorrir com você tão linda é nítida aqui na minha frente! - Ela passou sua mão por minha bochecha a apertando, me puxando para mais um abraço apertado, conseguia ouvir ela fungar seu nariz em um ato de conter o choro.

- É muito bom te ver tia! Pensei até que havia me esquecido na rodoviária - Falei em tom irônico para ela entender que não passava de uma brincadeira, ela começou a rir do meu comentário.

- Me perdoa minha querida, realmente foi uma negligência minha te deixar plantado nesse lugar frio - Ela sorriu enquanto me encarava - Eu tive um pequeno atraso no colégio hoje com Sam, esse garoto me tira do sério, eu tive que dar uns sermões e ouvir toda a baboseira da coordenação - Meu primo pelo que me lembro que ela relatava pelo Skype, era o oposto de menino comportado de cidade pequena, era agitado como o diabo, não relaxava um segundo em seu canto o que fazia com que ela desses seus pulos para não chegar atrasado no serviço por reuniões com professores sobre o garoto.

- Está tudo bem tia.. - Ela me interrompeu logo voltou a acariciar meu cabelo.

- Não Margo me desculpa, deve estar sendo estranho para você estar aqui de novo, faz tanto tempo dês de sua última vez em Gatlin que eu tenho certeza que não deve estar se sentindo a vontade.. - Confirmei em silêncio com a cabeça - Está tudo bem se sentir assim okay? Você não precisa fingir estar empolgada com um lugar como esse comparado a Londres eu imagino que você já esteja carregada de tédio, só aja como normalmente a Margo do dia-a-dia age minha querida! - Ela tentou me confortar com suas palavras, o que me deixou mais desconfortável porque a Margo do dia-a-dia é um lado o qual eu não estaria pronta para abrir da minha vida ali, tia Charli era uma exceção da minha família por parte de mãe, a parte Stendal de minha mãe por si só se preocupavam genuinamente em só ligar em casos extremos, como enterros, mas meu psicológico não queria lidar por mais tempo lotada de parentes que nunca ligaram em feriados e agora se preocupam com o meu bem estar, porém como havia prometido a mim mesma, faria a melhor versão da Margo rotineira, sem exaustão mental ou melancolia, para que eu voltasse logo para minha cidade e minha vida em Londres.

Em um percurso que não durou nem ao menos 5 minutos já havíamos chegado perto do Jeep vermelho de tia Charli, uma falta do meu carrinho percorreu por meu corpo, amava tanto aquela sucata, não acredito que tive que deixar para traz por esses meses, pelo menos acredito que esteja bem a minha princesa na garagem de casa.

Agradeci minha tia enquanto ela guardava a minha mala, sentei no banco da frente colocando o sinto, um enjoou surgiu em minha cabeça, odiava usar esses cintos, sempre me dava dor de cabeça pelo aperto forte na barriga, porém o dever chamava, fechei a porta ao meu lado e logo que tia Charli estava em seu devido lugar e dando partida com o carro, fechei meus olhos por alguns minutos para sentir o evento em meu rosto, adorava essa sensação de libertinagem que um belo vento no rosto trazia, me senti feliz naquele minuto.

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