Prólogo

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O indicador de Charlie correu pela lateral de Willy que descansava suavemente ao seu lado, a franja colada à testa pelo suor pós-transa, a mão direita sob o travesseiro, o corpo todo inclinado na direção do dono da cama era um pacotinho de amor que aquecia Charlie por inteiro.

A família Bucket não estava em casa naquele momento, mas eles nunca estavam, e o que deveria ser só um momento de estudo, acabou virando uma conversa profunda sobre medos e gostos, sobre planos futuros e então tornou-se beijos.

"Isto parece tão errado", Willy murmurou, a boca colada na de Charlie, sem coragem de se afastar do colega de sala.

"Quer parar?" O Bucket mantinha seus olhos fechados e isto aumentava a sensação de ter Willy tão pertinho, seu perfume o envolvendo, os lábios brigando para ser mais macios que a mão pousada em seu pescoço.

"Não, acho que não," Wonka ronronou.

"Mas não acha errado? Somos dois garotos..."

Por tudo que é mais sagrado, diga 'não', a mente do Bucket implorava, sua agonia franzindo a testa.

"Você quer parar, Charlie?"

Não! Pensou urgente, mas sua resposta foi verbalizada em um beijo sedento, pois em alguns momentos, o máximo que ele podia fazer era agir. Ele não queria e nem iria parar, ainda mais com seus hormônios descontrolados como ditava a regra da juventude.

Eles tinham só dezesseis anos, pareciam completos opostos e gostavam de coisas opostas, mas de algum jeito, aquilo os unia. Olhos se encontram, sorrisos revelavam segredos e mordidas nos lábios imploravam por ajuda. Então, Willy o ajudava com as aulas de doméstica e Charlie com as de gramática e biologia. Willy o ensinava música, arte e a amar o silêncio e Charlie o ensinava que podia fazer amigos, podia ter colegas e podia rir.

Um sendo muleta do outro e, naquele momento, um sendo amado pelo outro.

"Me sinto um papel em branco, Bucket." A voz de Willy veio rouca, os olhos ainda fechados.

"Devo parar?" O dono da cama ergueu o dedo.

"Não." Wonka abriu os olhos. "Eu quero que você me conheça por inteiro."

Era isto. Este jeito de olhar, de falar, de estar, que fazia Charlie o querer mais e mais.

Porque todo mundo achava que ele era louco e quieto demais, mas para Charlie ele era perfeito, completo. Porque quando a paixão de Charlie ardia e ele beijava Willy, ele inflamava ainda mais, como em uma competição silenciosa de quem amava mais. Charlie sabia que, neste aspecto, perderia para Willy. Perderia porque ele beijava em uma entrega completa e clara.

Willy Wonka amava Charlie Bucket e a segurança que ele lhe fornecia. Os braços finos e longos, o peito quente, o sorriso largo escondido em lábios finos. Com aquele garoto de olhos camaleões, Wonka sentia que podia ser amante de doces, que podia arrancar suas armaduras e mostrar seus medos. Somente com Charlie, Willy conseguiu falar sobre como amava fazer doces, somente com ele Willy comentou como era terrível ter um pai que não aceitava ter um chocolateiro em casa, só com o Bucket Willy sentia prazer em ser tocado.

Então, após receber um selinho e ver aquele sorriso perfeito, Wonka se jogou nos braços de Charlie. Beijando-o de verdade, por inteiro, com desejo.

"Mas que porra é esta?"

Para Charlie, foi horrível escutar aquele grito.

Para Willy, fora humilhante, não por ter seu beijo interrompido, mas por ter sido empurrado para longe com força o bastante para jogar ele da cama e fazer com que sua seminudez fosse exposta. Ele nunca entendeu bem o que houve naquele momento, mas jurava que tinham lhe chamado de coisas muito piores do que depravado. Ele nunca se lembraria bem como, mas fora jogado para fora do quarto e empurrado só de cuecas para o outro lado da rua, onde sua casa ficava.

De algum jeito inexplicável, ele só sabia que uma hora estava implorando por ajuda e na hora seguinte, seu pai brigava veementemente com o vizinho da frente. Os gritos envolviam palavras como inferno, meretriz, homofobia e variações de morte, com tudo terminando após a porta da frente berrar contra o batente e o vidro da janela ao lado trincar um pouco.

Naquela noite, contudo, quando olhou pela janela de seu quarto em busca da única pessoa que fora capaz de arrancar sua armadura, o garoto que sonhava em ser chocolateiro encontrou apenas cortinas fechadas. Instantaneamente ele soube que tudo tinha dado errado, mas que também estava perdidamente apaixonado.

E, bom, se Charlie Bucket não iria lhe ajudar, ele daria um jeito naquela paixão vestindo sua armadura e tendo certeza de que nunca, em hipótese alguma, a tiraria novamente.

O garoto fechou a persiana. Ele não seria o primeiro a abrí-las.

O problema é que Charlie tinha medo. Ele sempre sentia muito medo, mas não era de deixar que as pessoas soubessem disto, já que, segundo seu pai, o medo é o único inimigo do homem.

Seu pai também se orgulhava de trabalhar muito e de ter tirado a família da pobreza. Sua mãe, por outro lado, dizia que o marido só queria se fazer de forte e que não tinha problemas Charlie ter um pouquinho de medo. Os pais discutiam um pouquinho e sempre finalizavam dizendo que "o importante, Charlie, é que te amamos".

Tudo bem que ele acreditava naquela história de ser amado, já que sempre tivera tudo do bom e do melhor, mas quando o pai arrancou Willy de sua cama e disse que logo conversariam sobre aquela putaria toda, o Bucket não tinha muita certeza se o amor do pai seria o bastante para manter a pele do filho no lugar.

Havia tanto ódio e nojo nos olhos do pai, que Charlie não sabia nem se Wonka ficaria vivo. E, como um covarde, ele não se atreveu a defender o amado, não se atreveu nem mesmo a olhá-lo.

Covarde! Covarde! Covarde! Ruminou enquanto se vestia, esperando a briga do outro lado da rua cessar, fechando as cortinas para não ter que encarar o garoto que lhe procuraria. Não! Ele não tinha como reverter aquela merda toda e nem mesmo podia se dar ao luxo de pedir perdão.

Porque ele sabia, simplesmente sabia, que se tudo acontecesse novamente, ele seria o mesmo covarde, fugindo do mesmo jeito, se protegendo da mesma forma. Sabia que jogaria a culpa toda em Willy, se isto fosse lhe livrar da ira do pai e que até mesmo aceitaria um casamento forçado se fosse manter sua pele intacta.

Isto era ele, pensou enquanto abotoava a camisa, um covarde.

O pai demorou a voltar, mas sua ira não tinha sido aplacada, nem mesmo com o olho roxo e o lábio inchado. Ele resmungava e gritava e estava descompassado, mesmo quando a senhora Bucket entrou no quarto gritando "mas o que diabos está acontecendo nesta casa?". O pai não fazia sentido nem quando tentou explicar que pegou o filho trocando carícias com outro homem.

A senhora Bucket ficou atordoada, o marido não deixava o filho se explicar e, quando Charlie perguntou se poderia falar (talvez com o uso de um "porra" no final, o que gerou mais raiva no pai), o senhor Bucket jogou o garoto contra a parede o prendendo pelo pescoço.

Então os pais brigaram.

Se bateram.

Se quebraram.

A família Bucket estava quebrada por culpa de dois garotos que se gostavam e tudo isto aconteceu sob os olhos de Charlie ao mesmo tempo em que ele sentia o coração esfriar.

Ele não podia amar.

Ele nunca poderia amar de novo.

O monstro em mim (Fanfic U.A.)Where stories live. Discover now