capítulo 22

53 2 0
                                    

Miudezas


— Então você tomou o chá na casa de pedra com Lavendar Lewis? – perguntou Marilla na mesa do desjejum, na manhã seguinte. — Como ela está agora? Faz mais de quinze anos que não a vejo... a última vez foi num domingo, na igreja de Grafton. Imagino que tenha mudado muito. Davy Keith, quando você quer alguma coisa que não consegue alcançar, peça a alguém, e não se estire assim sobre a mesa! Já viu Paul Irving fazendo isso quando vem para uma refeição?

— Mas os braços de Paul são mais compridos que os meus! – grunhiu Davy. — Eles tiveram onze anos para crescer, e os meus só tiveram sete! E eu pedi , mas você e Anne estavam tão ocupadas falando que não me deram atenção. Além disso, Paul nunca esteve aqui para uma refeição, a não ser para o chá, e é mais fácil ser educado no chá do que no café da manhã. Não se tem a metade da fome na hora do chá, e o tempo entre o jantar e o café da manhã é terrivelmente longo! Ora, Anne, esta colherinha não está nem um pouco maior do que no ano passado, e eu estou muito maior!

— Obviamente eu não sei como Miss Lavendar costumava ser, mas, de certo modo, não me parece que ela tenha mudado muito – disse Anne, depois de ter servido a Davy o xarope de bordo, dando duas colheres cheias para apaziguá-lo. — O cabelo dela está branco como a neve, mas o rosto é fresco e quase juvenil, e ela possui os mais doces olhos castanhos... um belo matiz de castanho como a lenha, com raios dourados... e a voz me faz pensar em cetim branco, águas escorrendo e sinos de fadas, todos misturados.

— Ela era conhecida por sua beleza quando era moça – prosseguiu Marilla. — Eu nunca a conheci muito bem, mas gostei dela, pelo pouco que vi. Mesmo naquela época as pessoas a consideravam peculiar. Davy , se eu pegar você aprontando mais uma das suas, vou obrigá-lo a esperar até que todos tenham terminado a refeição para que você comece a sua, como se faz com os franceses!

A maioria das conversas entre Anne e Marilla na presença dos gêmeos eram marcadas por estas repreensões dirigidas ao menino. É triste relatar que, nesta ocasião, Davy não foi capaz de consumir as últimas gotas do xarope com a colher, e resolveu a dificuldade erguendo o prato com as duas mãos e passando a língua. Anne o encarou com olhos tão horrorizados que o pequeno pecador ficou vermelho e explicou, meio envergonhado, meio desafiador:

— Desse jeito não há desperdício!

— As pessoas que são diferentes das demais sempre são classificadas como peculiares – continuou Anne. — E Miss Lavendar é diferente, com certeza; embora seja difícil dizer onde exatamente reside a diferença. Talvez seja porque ela é uma daquelas pessoas que nunca envelhecem.

— Uma pessoa pode envelhecer junto com toda a sua geração – respondeu Marilla, um pouco descuidada. — Se assim não for, acaba não se encaixando em lugar algum. Até onde sei, Lavendar Lewis apartou-se de tudo. Viveu naquele lugar afastado, até que todos a esqueceram. Aquela casa de pedra é uma das mais antigas da Ilha. O velho Mr. Lewis a construiu oitenta anos atrás, quando veio da Inglaterra. Davy, pare de sacudir o cotovelo de Dora! Oh, eu vi você! Não tente se fazer de inocente! O que o faz comportar-se assim esta manhã?

— Talvez eu tenha levantado do lado errado da cama – sugeriu Davy. — Milty Boulter disse que, se isso acontecer, todas as coisas darão errado durante o dia! Foi a avó dele quem falou isso. Mas qual é o lado certo? E o que fazer quando sua cama está contra a parede? Quero saber!

— Sempre me perguntei o que deu errado entre Stephen Irving e Lavendar Lewis – continuou Marilla, ignorando Davy. — Eles certamente estavam comprometidos há vinte e cinco anos, e então, de repente, tudo se acabou! Não sei qual foi o problema, mas deve ter sido algo terrível, pois ele foi embora para os Estados Unidos e, desde então, nunca mais voltou.

Anne of Green Gables vol 2Onde histórias criam vida. Descubra agora