Capitulo 26

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A Curva no Caminho

Thomas Lynde despediu-se da vida tão tranquila e discretamente quanto a viveu. Sua esposa foi uma enfermeira terna, paciente e incansável. Em outros tempos, quando seu até então saudável Thomas a provocava com sua lentidão e docilidade, Rachel tinha sido um pouco dura. Porém, quando ele adoeceu, nenhuma voz era mais suave, nenhum toque mais sutil e habilidoso, nenhuma vigília mais voluntária.

— Você tem sido uma boa esposa para mim, Rachel – disse ele uma vez, com simplicidade, quando ela estava sentada ao seu lado ao entardecer, segurando-lhe a mão envelhecida, magra e pálida, entre as suas mãos calosas devido ao trabalho duro. — Uma boa esposa. Lamento não deixá-la melhor assistida, mas nossos filhos cuidarão de você. São todos inteligentes e capazes, iguais à mãe. Uma boa mãe... uma boa mulher...

Então ele dormiu, e na manhã seguinte, justo quando a branca alvorada deslizava sobre a copa dos pontiagudos pinheiros do vale, Marilla subiu gentilmente ao quartinho do lado leste do sótão e acordou Anne.

— Anne, Thomas Lynde se foi... o ajudante recém trouxe a notícia. Estou indo agora mesmo para ver Rachel.

Um dia depois do funeral de Thomas Lynde, Marilla caminhava por Green Gables com um ar estranhamente preocupado. Olhava ocasionalmente para Anne,parecendo estar prestes a dizer alguma coisa; então, balançava a cabeça e apertava os lábios. Após o chá, foi ver como estava Mrs. Lynde e, quando retornou, subiu até o quarto de Anne, onde ela estava corrigindo os trabalhos escolares.

— Como está Mrs. Lynde esta noite?

— Sentindo-se um pouco mais calma e mais tranquila – respondeu Marilla, sentando-se na cama de Anne. Este ato anunciava alguma estranha excitação mental, pois, de acordo com o código de ética caseira de Marilla, sentar-se numa cama já estendida era uma ofensa imperdoável. — Mas está muito solitária. Eliza teve que voltar para casa hoje... o filho dela não está bem, e ela sentia que não poderia ficar mais tempo.

— Quando eu terminar estes exercícios, vou correr até lá e conversar com Mrs. Lynde – disse Anne. — Pretendia estudar um pouco de composição latina, mas posso esperar.

— Suponho que Gilbert Blythe vá para a universidade no outono – disse Marilla, abruptamente. — Você gostaria de ir, Anne?

Anne levantou o olhar com espanto.

— É claro que eu gostaria de ir, Marilla. Mas isso não é possível.

— Creio que seja. Sempre acreditei que você deveria ir. Nunca me senti confortável ao pensar que você estava abandonando tudo por minha causa.

— Marilla, nunca lamentei, nem por um momento, por ter ficado em casa. Tenho sido tão feliz... oh, estes últimos dois anos têm sido encantadores!

— Oh, sim, sei que você está bem contente. Mas não é esta a questão exatamente. Você tem que dar continuidade aos seus estudos. Você economizou o suficiente para mantê-la em Redmond por um ano, e com o dinheiro da venda do gado, vai dar para mais um ano... e existem bolsas e prêmios que você pode ganhar.

— Sim, mas não posso ir, Marilla. Seus olhos estão melhores, é claro, mas não posso deixá-la sozinha com os gêmeos. Eles precisam de tanto cuidado!

— Eu não estarei sozinha com eles. Era isso que eu queria discutir com você. Tive uma longa conversa com Rachel esta noite. Anne, ela se sente terrivelmente mal por inumeráveis questões. Não ficou em uma boa situação econômica. Parece que eles hipotecaram a fazenda, oito anos atrás, para ajudar o filho caçula a começar a vida quando foi para o oeste, e nunca conseguiram pagar muito mais do que os juros desde então. E depois, é claro, a doença de Thomas custou uma grande quantia, de um jeito ou de outro. A fazenda terá que ser vendida e Rachel acha que dificilmente sobrará algum dinheiro depois de pagar as contas. Disse que terá que ir morar com Eliza, e que está de coração partido ao pensar em sair de Avonlea. Uma mulher na idade dela não faz amizades e descobre novos interesses facilmente. E, Anne, enquanto ela me falava essas coisas, ocorreu-me a ideia de convidá-la para morar comigo, mas pensei que deveria conversar com você primeiro, antes de dizer qualquer coisa a ela. Se Rachel vier morar aqui, você pode ir para a universidade. O acha disso?

Anne of Green Gables vol 2Onde histórias criam vida. Descubra agora