Rendezvou 18.6y

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Na mesa do escritório em seu apartamento, diversos copos de café estavam dispostos ao lado de aparelhos eletrônicos. Contudo, não importava a quantidade que ingerisse de cafeína, nada tirava o seu cansaço. Sooyoung vinha se sentindo exausta nesse último mês. Ser a gestora de inteligência artificial da BBC não era fácil, todos compromissos, reuniões de negócios, planejamentos... mas ela dava conta. Pelo menos por um tempo. Ainda mais quando sua chefe era ousada e tinha as mais diversas ideias para tocar a empresa. Ideias que ela tinha que tornar reais.

Porém, estava tudo bem, tudo ótimo. O último lançamento tinha sido um sucesso, todos diziam o quanto YVES era eficiente, como nenhuma outra IA, se adaptava as necessidades de seus donos de uma forma natural. Os usurários solitários e trabalhadores agora tinham algo que cuidava de tudo por eles. O que estava sendo um problema era que além do seu próprio cansaço, haviam reclamações de outras centenas de funcionários. Alguns pedindo menos carga horaria, ou menos afazeres, outros lotando as enfermarias ou adoecendo. Isso a lembrava de um filosofo coreano, Byungchul Han, que há um tempo escreveu um livro chamado a "Sociedade do cansaço". Ele problematizava a positividade da sociedade, que força o cidadão a ser produtivo, a ser o melhor e a produzir cada vez mais buscando sucesso num sistema com pouca mobilidade social. Essas questões ainda pairavam as sociedades onde cada vez mais o indivíduo se auto explora e exaustão é consequência. Seria esse o problema dentro da sua empresa? Deveria organizar palestras sobre o assunto? Empresa grande, grande problema. Massageou as têmporas, respirou fundo e escutou um aviso de VIVI, sua assistente android dentro e fora da empresa.

-Senhorita Ha, - a voz soou no cômodo – você tem três novos e-mails. Um da senhorita Jung, a presidente da BBC, - Respirou fundo, se preparando para mais alguma demanda da loira. – um da senhorita Choi, detetive da OEC – Aquele não era muito comum, nem um bom sinal, detetives de crimes virtuais nunca significavam algo bom para empresas de inteligência artificial. – e da senhorita Kim, a design do Loona. – Esse particularmente lhe chamou atenção de forma positiva e por um instante ela esqueceu completamente os outros.

-Vivi, pode abrir o último.

-Claro.

Ela se inclinou na mesa e pegou o tablet que estava mais próximo. Lá o e-mail abriu e ela leu rapidamente. Seu coração acelerou ao passar os olhos por aqueles caracteres. A Kim dizia que estava de volta à cidade, que queria a ver. De repente não estava mais exausta. Respondeu marcando o encontro e logo recebeu confirmação.

Ela se reencontraria com Kim Jiwoo e dessa vez descobriria uma forma de segurar alguém que parecia como areia de praia, querendo escapar por seus dedos todo vez que perto. Não sabia explicar exatamente o motivo de querer tanto se aproximar de Kim Jiwoo. A aparência era, obviamente, algo a se levar em consideração, mas tinha algo a mais. Provavelmente da primeira vez que se viram. Ou melhor, que Sooyoung a viu. Lembrava-se daquele dia como o lançamento da YVES. A designer tinha ido para a BBC explicar a atualização no site para anúncio da nova inteligência virtual e ficou para comprar a assistente virtual. A Há lembrava-se do sorriso dela ao dar as coordenadas para Jinsoul, sua chefe excêntrica, de como sua pele parecia diferente, todos eram tão cinzas, as vezes azulados, mas a Kim ainda tinha certo brilho, a forma como ela falava... A gestora a viu apenas por alguns segundos quando entrou na sala da CEO Jung, nem tinha certeza se a menor a tinha visto, mas foi naquele momento que decidiu que queria a ver de novo.

E quando o projeto de ambiente virtual para alterar a aparência da YVES apareceu, ela se jogou na ideia de tratar diretamente com a Kim. Na verdade, isso não era muito comum e ela gostava que Jiwoo se propunha a ter reuniões presenciais quando a maior parte das pessoas faziam por vídeo ou holograma-conferência. Por isso seu estranhamento e decepção foram grandes quando a mais nova resolveu se afastar e a cortar na semana passada, dizendo que resolveriam tudo on-line. Sooyoung não conseguiu parar de pensar nela nesses últimos dias em que a outra estava fora. Sabia que não era proposital, a Kim não parecia ser do tipo que faz joguinhos com os outros, mas Ha estava sentindo coisas estranhas, que ela pensou nem existir mais. A vontade de estar perto de alguém, de querer que aquela pessoa especial lhe chame pra conversar, lhe mande fotos do que está fazendo, conte como foi o dia, lhe de atenção. Riu para si mesma, devia ser muito tempo desde que se interessou por alguém assim. Se algum dia realmente tenha acontecido.

E isso nos levava a aquele e-mail, onde dizia para elas se encontrarem para discutir os detalhes finais do novo espaço da YVES. Sim, não era um e-mail romântico, mas era um começo. Sooyoung se esticou na cadeira, colocando as mãos atrás da cabeça e se escorando, tentando conter o sorriso, mas era difícil. Ela estava apenas algumas horas de encontrar Kim Jiwoo.

...

Nem mesmo Jung Jinsoul estragaria seu dia. Ela ignorou o olhar ameaçador de sua chefe por ter ignorando seu e-mail no dia anterior e a apenas respondeu um "Estou resolvendo o problema Jung, me deixa trabalhar, eu tenho uma reunião muito importante.". E era de fato importante. Conferiu se sua roupa estava arrumada, Sooyoung sabia que era bonita e usava roupas que valorizassem isso. Hoje o dia estava frio, nessa época o outono começava a se despedir e um inverno rigoroso começava a dar as caras, por isso a camiseta de botões vermelha era de mangas longas, mas tinha uma gola bonita. A calça preta social ficava justa, marcando o corpo nos lugares certos. E a cor ficava da camisa deixava sua pele com mais cor e combinava com batom. Esperava ter reações positivas de Jiwoo, gostava de como a mais velha a olhava. Era diferente, as vezes parecia até assustada, mas quando estava a admirando a Ha sentia que tinha alguma chance.

Pegou seu pequeno carro automático, cabia apenas uma pessoa e ele literalmente se dirigia sozinha, a deixando no local marcado rapidamente. Não era um restaurante chique como o da última vez que se viram, mas era um ambiente específico para reuniões onde elas alugaram uma pequena sala de conferência. Ficariam as duas sozinhas por um tempo, para trabalhar, claro. Sooyoung chegou adiantada e se instalou aguardando a mais nova. Assim que a outra entrou pela porta ela sorriu, e seu sorriso só aumentou quando notou os olhos de Jiwoo em seus lábios.

-Olá Kim Jiwoo, é um prazer revê-la. – Se levantou para se curvar para ela e aproveitou para a admirar. A Kim usava uma blusa branca de seda, saia lápis marrom, uma meia calça preta de lã e casaco xadrez. – Você está linda.

-Er... Oi e obrigada. – A Kim se curvou também e corou um pouco. – Vermelho cai bem em você. – Retornou o elogio e a Ha apenas sorriu de canto.

-Obrigada... – Elas se olharam por um tempo, sem saber o que fazer. – Eu posso perguntar como foi sua viagem?

-Ah foi boa. – Mexeu as mãos nervosamente, se aproximando aos poucos, entrando de fato na sala. – Eu fui ver minha irmã.

-Irmã de sangue ou de criação? – Os conceitos de família haviam mudado, de quem considera quem seus parentes, então essas eram perguntas comuns e Sooyoung estava aceitando qualquer informação que a Kim estivesse dando.

-Os dois. – A outra soltou uma risadinha, parecendo divertida ao responder. – Nossos pais eram tradicionais. A gente foi uma família das antigas até o momento que eles se foram.

-Então você teve mais sorte do que maioria. – As duas compartilharam um sorriso, por um momento pareceram não estar mais se estranhando, a menor parecia gostar de falar da família, mas em seguida Jiwoo voltou a ficar desconfortável. – Bom, se sente. – A gestora puxou a cadeira que ficava de frente para o computador que ela havia instalado, para que as duas pudessem trabalhar. A designer acenou, terminou a distância e se sentou, o cheiro de pêssego de seu perfume impregnando o local. Ela respirou fundo e começou a falar com convicção:

-Nós podemos – travou ao olhar para cima e dar de cara com o rosto da mais alta, que ainda estava de pé, ao seu lado, inclinada sobre a cadeira. – Podemos começar. Você não prefere sentar-se? – Mordeu dentro da bochecha, nervosamente.

- Eu prefiro ficar de pé. – Deu de ombros, se divertindo com o quanto a mais nova parecia desconcertada.

- Ah, certo. – Se virou pra frente, ligando o computador, conectando seus aparelhos para poder acessar os seus dados. Abriu tudo, e se preparou para começar a apresentação. – O que eu estava pensando era um local que remetesse a aqueles aplicativos antigos, para escolar roupinhas de personagens, sabe. Aqui – ela apontou e se virou em direção a mais velha, que tinha se inclinado ainda mais e agora a encarava praticamente encostando os narizes. A garganta de Jiwoo ficou seca, ela esqueceu o que ia falar e deixou seus olhos vagarem por aqueles lábios tão vermelhos.

Sooyoung estava fascinada pelo tom rosado que parecia natural da boca delicada da Kim, naquela proximidade ela não conseguiria aguentar, ela teria de beija-la. Quando a designer umedeceu os lábios, a Ha perdeu a compostura. E ela teria a beijado, se não fosse por uma voz artificial chamar a atenção das duas.

-Senhorita Ha, é do OEC novamente. A detetive Yerim está te ligando. 

Y.V.E.S. - Your Virtual Expert Secretary  (Chuuves)Onde histórias criam vida. Descubra agora