"O que foi que eu fiz?"
O trem acelerou, me abandonando, de pé, na menor plataforma que já tinha visto na vida, olhando para o que estava mais para uma casa do que uma estação. Nem estava sozinha, outras cinco ou seis pessoas haviam descido dele também, duas do mesmo vagão que eu, mas não fazia a menor questão de falar baixo. Me perguntei de novo em voz alta:
"O que foi que eu fiz?" Dessa vez, rindo logo depois.
O que eu estava pensando? Devia ter ficado em Paris, nem que fosse para me prender dentro do hotel e evitar ao máximo encontrar Esteban na rua (o que deveria ser fácil, mas significaria que eu nunca poderia chegar perto de dois dos meus lugares favoritos por lá). Olhei meu celular de relance, ainda na foto que eu tinha acabado de publicar no Instagram, o sol se refletindo no Sena do lado da Notre Dame antes do metrô chegar à estação de Austerlitz. Qual era meu problema? O que estava fazendo ali?
Não sei o que me fez me mexer, talvez fosse simplesmente porque era fácil. Eu só tinha uma mochila, um celular com a bateria acabando e a aposta na minha cabeça de que não encontraria uma única tomada dentro daquilo que deviam chamar de estação para carregá-lo até conseguir outro trem de volta para Paris.
Não tinha passado nem dois minutos, mas eu já estava sozinha na plataforma. Desci as escadas que passavam por baixo dos trilhos, como tinha visto os outros fazer, até sair na porta da estação. Vazia.
Se antes eu andava sem qualquer ânimo, por pura inércia, agora acelerei os três passos que precisei dar até chegar ao único guichê. Tinha que ser algum erro, certo? Ainda eram seis e pouco da tarde, como era possível que não tivesse ninguém ali para me vender uma única passagem de volta à maior cidade do país?
Meus olhos percorreram tudo dentro do guichê, mas não havia nenhum sinal de que alguém tinha ido ao banheiro e logo voltaria. E, pior, tinha pelo menos um papel dizendo que eles só vendiam passagens até às três da tarde.
Três da tarde. A que fim de mundo eu tinha acabado de chegar?
Estava prestes a rir e mandar uma mensagem para minha melhor amiga Kendra falando da minha falta de sorte, quando senti meu celular vibrar na minha mão, desligando sozinho. Qualquer vontade que tinha de rir se transformou em de chorar, mas me forcei a engolir as lágrimas. Eu podia ficar ali um único dia. Já tinha até reservado um hotel mesmo. Iria embora amanhã.
Respirei fundo, odiando o silêncio daquela estação fantasma, e saí pela única outra porta ali em uma rua quase tão vazia. Enquanto um casal colocava suas malas no único táxi ali, tirei meu pequeno caderno da bolsa, me sentindo pelo menos um pouco melhor por ter pensado naquilo antes. Tinha sido só um jeito de passar as duas horas em que fiquei presa no trem, mas também uma precaução. Eu havia desenhado o mapa da cidade, as ruas principais, o caminho que teria que fazer até o hotel que tinha conseguido reservar.
Foi com mais do que um toque de insegurança que eu o segui, por ruas vazias, cheias de casas, mas sem quaisquer pessoas, até a primeira ponte. Pensei que talvez aquela ideia não tivesse sido tão ruim quando me apoiei na igreja de pedra ao lado dela, olhando para o rio. O dia tinha sido quente, ainda estava um pouco, mas já não tinha tanto sol. Além da brisa refrescante, o cheiro da água nas pedras à sua margem me fez querer ficar ali por mais tempo. Até me deixei apoiar o caderno em cima da mureta e pegar meu lápis, mas não tinha vontade de desenhar. Queria escrever, mas me faltavam palavras também.
Então fechei os olhos, me deixei sentir o vento, às vezes forte, logo apenas uma leve menção, aliviando o resto de sol que batia em meu rosto. Por alguns minutos, não pensei em nada, nem no quanto estava cansada da viagem e da caminhada, nem em tudo que parecia estar contra mim, nem no que faria. Isso era algo que eu nunca conseguiria fazer em Nova York, fechar os olhos e relaxar completamente, sem estar sempre preocupada com meu celular, com pessoas batendo minha carteira ou com sendo atropelada, além de que o sol lá costumava vir com uma camada generosa de poluição.
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Receita (Infalível) de Inspiração
RomanceMomentos de desespero pedem medidas desesperadas. Tudo está se acumulando na vida de Audrey. Depois de dois livros escritos e publicados, ela precisa finalizar o terceiro de um jeito épico e inesquecível. Se já não fosse difícil o bastante em circu...