Nunca pensei que comemoraria falta de internet boa, mas era exatamente isso que estava fazendo no dia seguinte, pouco antes do meu encontro com Johann. Tinha acabado de receber um e-mail de Judith me pedindo tudo que eu já tinha, "mesmo que não fosse algo finalizado, só para ela saber em que pé tudo estava." Ontem, eu reclamava que o plano internacional do meu celular mal me deixava procurar o Johann no Facebook, hoje pude usar a desculpa de não conseguir anexar um arquivo tão grande e enviar sem perder todo o resto de internet que tinha que durar até o final das duas semanas.
Mesmo com uma razão válida, me forcei a fechar meu e-mail e ligar para Kendra. Pensar em Judith e remoer sua reação teria que ficar para outro dia.
Kendra atendeu rápido.
"Não tenho nada para vestir," não esperei para falar, já aproveitando para colocar no viva-voz.
"Oi, Audrey, tudo bem com você? Está tudo bem comigo, obrigada por perguntar," sua voz soou só um pouco mais aguda do que o normal, o que denunciava sua brincadeira.
"Oi, Kendra. Tudo bem?" Perguntei sem muita inclinação.
Ela soltou uma risada rápida. "Agora é tarde. Mas e aí? Com o que posso ajudar?"
"Eu não tenho nada para vestir," repeti.
"Não tem mesmo ou só está fazendo graça?"
Revirei os olhos, me levantando da cadeira e indo abrir o armário minúsculo e vazio, exceto pela minha mochila jogada dentro dele.
"Não tenho mesmo. É o que acontece quando você entra em um avião sem planejar direito e vai parar em uma cidade que mal tem loja de roupa!"
"Há," ela ficou quieta por alguns segundos, provavelmente pensando em um jeito de solucionar meu problema. "E você ainda passou por Paris, podia muito bem ter comprado algo lá."
"Muito obrigada, Kendra. Eu não estava ainda me sentindo derrotada, agora consegui. Obrigada pela ajuda."
Kendra riu do outro lado. "Me diz com que eu estou trabalhando."
Respirei fundo antes de começar a tirar as coisas da mochila, uma por vez. "Tem a calça jeans que eu estava usando quando vim, três camisetas, apesar de duas delas estarem já sujas e eu estar vestindo a terceira, uma calça de moletom, um casaco trench, um blazer e uma camisa."
"Você está na França ou em alguma reunião? O que te deu na cabeça de levar um blazer?"
"Me deu na cabeça pensar que é bem provável que eu tenha que chegar em Nova York e ir direto para a editora, se não conseguir terminar o livro antes."
Ela suspirou de um jeito que me fez pensar que podia estar revirando os olhos. Se minha internet fosse melhor, estaríamos conversando por vídeo agora, mas precisava ficar só imaginando suas reações.
"Já sei!" Falou do nada depois de tanto tempo em silêncio, que eu tinha começado a achar que a chamada tinha caído. "Usa o blazer."
"Hã? Você acabou de dizer que é roupa de trabalho!"
"Não, você não entendeu," ela claramente estava sorrindo. "Usa só o blazer. Calça jeans e blazer, sem nada por baixo."
Conversar por vídeo teria feito com que visse a careta que fiz quando entendi sua ideia.
"Você quer que eu vá sem nada por baixo do blazer?"
"Bom, sutiã, claro, se é que você lembrou de levar algum."
"Eu lembrei," me defendi, enquanto meus dedos levantavam o blazer automaticamente. "Não vai ficar muito esquisito? E se abrir o botão do nada?"
"É um risco a correr," ela disse, mas senti que sua voz estava ficando levemente distante. "Você tem alguma outra escolha?"
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Receita (Infalível) de Inspiração
RomantizmMomentos de desespero pedem medidas desesperadas. Tudo está se acumulando na vida de Audrey. Depois de dois livros escritos e publicados, ela precisa finalizar o terceiro de um jeito épico e inesquecível. Se já não fosse difícil o bastante em circu...