Eu estaciono o carro na frente de um farol localizado no meio do campo semiárido, bem no alto de uma colina. Um farol no meio do nada... Como ninguém noticiou uma coisa dessas? Isso não é nada comum de se ver, além do mais, o farol está tão novo que parece haver sido construído ou reformado há não mais que alguns dias. Isso está muito estranho, sim, mas pelo menos eu já estou no lugar designado. Ferrado do jeito que estou, tenho bastante tempo a perder com falsas esperanças.
Eu só continuo vivo ainda porque o meu avô envia parte da sua aposentadoria para a minha conta bancaria todo mês, caso contrário, estaria morando embaixo de uma ponte pedindo esmola ou entrado para o mundo do crime. Não tenho grande apego emocional pelo meu avô, ou ao menos tento fingir que não tenho mais, mas pelo menos é bom ver que o velho ainda está servindo. Está nos últimos suspiros, mas me dói no peito ter que mentir fingindo que a mamãe e o papai ainda estão vivos. Se ele souber de tudo que aconteceu ou morrerá de um ataque cardíaco ou cometerá suicídio. O último que preciso agora é ter que carregar mais uma morte nas minhas costas, senão eu é que vou acabar me suicidando.
Hoje de manhã, alguém me chamou pelo celular. Quando atendi, soou uma voz com efeito de distorção me chamando para encontrá-lo em uma determinada coordenada que ele próprio me enviou via mensagem de texto. Disse que tinha uma proposta de emprego para mim, mais precisamente um trabalho que, se eu fizer bem feito, serei pago com cem mil reais em dinheiro vivo.
Não sei o que deu em mim, mas eu saí para a rua na velocidade de um projétil. Entrei no carro e pisei fundo no acelerador, fazendo os pneus assoviarem e soltarem fumaça, e na estrada eu fiquei a esquivar dos outros veículos, desrespeitando as leis de trânsito. Mal tive tempo de me arrumar direito. Apenas vesti uma camisa preta toda amarrotada, uma calça jeans azul e um par de tênis brancos de cadarços pretos que foram amarrados de qualquer jeito. Acabei causando um acidente na avenida no meio do trajeto. Com toda aquela pressa eu raspei a lataria do carro em uma moto que tombou e o motorista saiu rolando pela pista. Para piorar, o desgraçado estava sem capacete.
Se ele morreu ou não, pouco me importa. Eu não vou jogar uma possível oportunidade de sair deste estado de pobreza no lixo. Claro que isso tudo pode ser uma mentira para caçoar da minha cara, e se for, o sujeito vai sentir a fúria de um leão e vai voltar para casa com as duas pernas amputadas. Quando quero, posso ser ruim como um demônio, e o meu avô sempre diz para nunca ter pena de gente pilantra.
Tzun tzun. Sinto o celular vibrar dentro do meu bolso esquerdo. Enfio a mão e puxo o celular de capa preta que contém a marca IABRAS reluzindo em prata na borda superior da tela. Eu deslizo o polegar rapidamente sobre o círculo verde no canto inferior esquerdo da tela para atender a ligação. Encosto o celular na orelha.
— Gilson Fernandes de Melo aqui — falo enquanto me retiro do veículo preto que tem parte da lataria frontal arranhada. É tão velho e defeituoso que não vale nem mil e quinhentos, e ainda por cima comprei de Pistolado, um ladrãozinho que roubou esse carro numa periferia de Recife. Eu empurro a porta do carro e ela bate em um abafado bung. — Olha, cara, eu nunca na minha vida imaginaria que alguém ia me fazer vir para um farol no meio do nada. Pode me explicar o que tá acontecendo agora? Melhor, pode me dizer quem é você? Por que eu não me lembro de existir um farol no meio do nada assim...
No outro lado da linha ouço alguns chiados shhhhhh, como num canal de TV fora do ar.
— Eu estou lhe esperando dentro do farol, senhor Gilson — diz a voz com efeito de distorção, que fala num tom bastante cortês para um brasileiro comum. Deve ser um empresário local ou um investidor bilionário estrangeiro. Teria ele construído esse farol? Se sim, por quê? — Desculpe por ter de lhe fazer dirigir todo esse trajeto. Saiba que tenho grande apego por sua pessoa, e eu não sou do tipo que gosta de correr riscos. Sabe como está o nível de criminalidade esses dias, não sabe?
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Jardines - Tragédia Utópica (Completo)
HorrorDe um farol para uma cidade isolada do resto do mundo, Gilson Fernandes, um mero desempregado do nordeste brasileiro, recebe uma chamada para uma proposta de emprego em uma região isolada do sertão de Pernambuco. No entanto, percebe que algo está er...