Subo os degraus um a um, indo finalmente confrontar Alexia Mederin cara a cara. Agora há pouco ela falou que nós precisamos conversar, mas eu sei do que se trata: minhas mãos arrancando o seu maldito pescoço. Essa será a nossa conversa. Desde que cheguei, esta cidade só tem tentado me comer vivo a todo instante, mas eu sobrevivi e cheguei até aqui com as minhas próprias pernas. Finalmente irei acabar com isso, e será com as minhas próprias mãos.
Quando chego ao fim dos degraus, atravesso uma entrada larga e alta, adentrando uma sala ampla coberta de escuridão, sendo o chão cinza metálico a única coisa visível através da luz da minha lanterna.
Pác... pác... pác... Sons de palmas batendo ressoam no ar, vindo de alguns metros à frente.
— Que trabalho inestimável — reconheço a voz de Mederin. Um conjunto de luminárias acende nos quatro cantos do teto quadrangular, revelando o cenário, que é um grande escritório de luxo com paredes cinzentas que brilham lindamente, quase refletindo todo o escritório como um espelho nítido. Bem no centro do escritório está uma mesa redonda e metálica com um espaço circular no centro, e bem nesse centro está uma cadeira de couro preta com as costas viradas para mim. — Ninguém nunca superou as minhas defesas antes. Você foi o primeiro — a cadeira gira, revelando Alexia Mederin sentada com as pernas cruzadas, sorrindo para mim com os lábios finos. Em cima do seu colo jaz uma pistola nove milímetros. — Você não veio aqui apenas para me matar, não é? Você e o seu amigo querem roubar a minha criação e permitir que a depravação tome conta da humanidade. Por anos eu lutei para evitar isso. Agora estou aqui, derrotada pela sua pessoa.
Eu nada respondo, apenas a encaro silenciosamente, paralisado.
— Acha que eu tenho medo de morrer? — seu olhar se torna mais sério. — Acha que eu tenho medo de você? Eu só tenho um medo nessa vida, e esse medo é deixar que a verdadeira pureza do mundo seja extinta por causa de depravados que só pensam em satisfazer os seus desejos mais crus. Dinheiro, drogas... Pedofilia... Ah, a pedofilia. Essa palavra me dói na garganta sempre quando pronuncio, não apenas por que é um crime sórdido e abominável, mas por que a possibilidade de isso um dia se tornar um ato normal não é pequena. O dia que a pedofilia deixar de ser uma palavra que doa na garganta dos indivíduos, nesse dia a humanidade estará perdida, e Jardines será o último bastião desse resquício final de humanidade. Tem ideia do que está tentando destruir? Não, não é a mim... É o futuro.
Alexia Mederin pega a pistola e se levanta da cadeira.
— As crianças são o futuro — ela caminha lentamente — Você já foi o futuro — uma parte da mesa que a rodeia fica transparente. — Jardines é o futuro — ela atravessa essa parte transparente como se fosse um fantasma. — E o futuro é feito de expectativas. Mas isso é uma coisa que os depravadores nunca irão entender, porque um dia eles nunca mais irão entender nada. Não vão mais permitir creches, nem escolas, nem programas infantis, nem pais e nem mães, apenas escravos da própria cultura sórdida que trata o repugnante como lindo. Entre crianças e adultos, quem você acha que irá sofrer mais com essa cultura? A resposta é tão óbvia que não há necessidade de responder, não é mesmo? Você esteve na Terra e sabe do que eu estou falando.
Ela para na minha frente, com o azul claro dos seus olhos me encarando profundamente. Sua mão pega na minha mão esquerda, em seguida deposita a sua pistola em cima dela, fechando os cinco dedos da minha mão cuidadosamente, de modo que fico com o dedo indicador tocando no gatilho. Alexia então pega o meu pulso e puxa, levantando a minha mão até a altura da sua cabeça, fazendo o canhão da pistola tocar no centro da sua testa.
— Faça o que tem que ser feito — ela diz, com os olhos fixos em mim. — Termine de destruir o que veio destruir. Termine de matar a única esperança para o futuro da raça humana. Termine de matar o futuro de você mesmo. Aperte o gatilho e atire.
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Jardines - Tragédia Utópica (Completo)
HorrorDe um farol para uma cidade isolada do resto do mundo, Gilson Fernandes, um mero desempregado do nordeste brasileiro, recebe uma chamada para uma proposta de emprego em uma região isolada do sertão de Pernambuco. No entanto, percebe que algo está er...