Caminho apressadamente pela floresta congelada, seguindo em linha reta na direção sudeste. Devo encontrar o único arbusto que não está congelado. Será que Mederin quer que eu a encontre? Será uma armadilha? Que opção eu tenho?
Tchórrrrrr!
— Gilson? — soa a voz da minha mãe. Meus passos cessam. Pressiono o dedo no fone. — Gilson?!
— Mãe? — murmuro, com os olhos muito abertos.
— Volta pra mamãe, Gilson — está fungando e soluçando. — Eu te perdoo...
Um aperto profundo ataca o meu peito. Abaixo a cabeça. Fecho fortemente os olhos, sentindo as lágrimas subindo sem serem convidadas. Respiro fundo, logo volto a abrir os olhos.
— Não posso — respondo, com a voz engrossada. — É tarde demais pra voltar...
— Não fala assim, Gilson... Você sabe o que vai acontecer se continuar com isso... Eu não quero te perder...
— A senhora já perdeu — volto a andar em frente. O fone desliga.
Tchórrrrrr! Mas rapidamente se reativa.
— Quando Jardines voltar a ser um paraíso — fala Mederin. — Toda essa geleira será substituída pelo fogo da alegria. As crianças voltarão a sorrir, os brinquedos voltarão a funcionar, os robôs voltarão a se programar, mas as minhas defesas continuarão ativas para evitar que escórias como você volte a causar problemas. Minha Jardines reviverá! Minha utopia reviverá! E quando isso acontecer, nem você e nem seu amigo estarão vivos para assistir o meu sucesso. Ninguém mais irá corromper as minhas crianças.
— E precisa? — expresso enojo. — Você já corrompeu!
— Errado! Tudo começou quando Galileu expôs o que não deveria ter sido exposto! Quando fez aquilo, ele se aproveitou para encher as mentes ingênuas das crianças com o pensamento revolucionário! Fez isso para usurpar o controle da cidade matando a mulher que a construiu! Foi Galileu quem começou tudo isso! Ele que incitou a guerra! Ele é o culpado por toda esta matança! Eu não tive escolha a não ser colocar fim às suas vidas! Todos da cidade foram completamente depravados! Bastou um depravador para foder com tudo, e agora vêm mais dois para terminar o serviço que o primeiro não completou!
O fone desliga. Eu ando rapidamente por entre as árvores congeladas. De repente, olhos brancos e brilhantes se abrem na escuridão ao meu redor, observando-me. Eu os evito, andando com os olhos fixos em frente.
— Morte... — fala uma voz masculina e infantil dentro de mim. — Você não mais tem medo dela...
— As contínuas derrotas te deixaram forte — fala uma voz feminina.
— Mas você nunca se esqueceu...
— Daquilo que te faz um homem forte...
— Sua vontade de viver — falam juntos. — De nunca desistir de si... Essa é a força que emana de ti...
A caminhada prossegue durante longos minutos, sem desviar do caminho em nenhum momento. Quase me sinto andando em círculos, mas continuo ainda assim. Minha vontade viver... Minha fé... Essa é a energia que me move para o meu destino final; para o meu futuro ou minha queda. Tudo vai depender de quão alta é a minha vontade de viver.
Começo a correr de um modo equilibrado, não muito lento e não muito rápido, apenas se movendo um pouco mais rápido que uma andada comum.
O primeiro Malcriado aparece à minha direita.
— NHIRRRRRRR — corre loucamente com as mãos esticadas sacudindo, abrindo e fechando os dedos de meio em meio segundo. — RRUÁRRRRRRRR!
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Jardines - Tragédia Utópica (Completo)
HorrorDe um farol para uma cidade isolada do resto do mundo, Gilson Fernandes, um mero desempregado do nordeste brasileiro, recebe uma chamada para uma proposta de emprego em uma região isolada do sertão de Pernambuco. No entanto, percebe que algo está er...