Choro dos Malcriados IV

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Caminho apressadamente pela floresta congelada, seguindo em linha reta na direção sudeste. Devo encontrar o único arbusto que não está congelado. Será que Mederin quer que eu a encontre? Será uma armadilha? Que opção eu tenho?

Tchórrrrrr!

— Gilson? — soa a voz da minha mãe. Meus passos cessam. Pressiono o dedo no fone. — Gilson?!

— Mãe? — murmuro, com os olhos muito abertos.

— Volta pra mamãe, Gilson — está fungando e soluçando. — Eu te perdoo...

Um aperto profundo ataca o meu peito. Abaixo a cabeça. Fecho fortemente os olhos, sentindo as lágrimas subindo sem serem convidadas. Respiro fundo, logo volto a abrir os olhos.

— Não posso — respondo, com a voz engrossada. — É tarde demais pra voltar...

— Não fala assim, Gilson... Você sabe o que vai acontecer se continuar com isso... Eu não quero te perder...

— A senhora já perdeu — volto a andar em frente. O fone desliga.

Tchórrrrrr! Mas rapidamente se reativa.

— Quando Jardines voltar a ser um paraíso — fala Mederin. — Toda essa geleira será substituída pelo fogo da alegria. As crianças voltarão a sorrir, os brinquedos voltarão a funcionar, os robôs voltarão a se programar, mas as minhas defesas continuarão ativas para evitar que escórias como você volte a causar problemas. Minha Jardines reviverá! Minha utopia reviverá! E quando isso acontecer, nem você e nem seu amigo estarão vivos para assistir o meu sucesso. Ninguém mais irá corromper as minhas crianças.

— E precisa? — expresso enojo. — Você já corrompeu!

— Errado! Tudo começou quando Galileu expôs o que não deveria ter sido exposto! Quando fez aquilo, ele se aproveitou para encher as mentes ingênuas das crianças com o pensamento revolucionário! Fez isso para usurpar o controle da cidade matando a mulher que a construiu! Foi Galileu quem começou tudo isso! Ele que incitou a guerra! Ele é o culpado por toda esta matança! Eu não tive escolha a não ser colocar fim às suas vidas! Todos da cidade foram completamente depravados! Bastou um depravador para foder com tudo, e agora vêm mais dois para terminar o serviço que o primeiro não completou!

O fone desliga. Eu ando rapidamente por entre as árvores congeladas. De repente, olhos brancos e brilhantes se abrem na escuridão ao meu redor, observando-me. Eu os evito, andando com os olhos fixos em frente.

— Morte... — fala uma voz masculina e infantil dentro de mim. — Você não mais tem medo dela...

— As contínuas derrotas te deixaram forte — fala uma voz feminina.

— Mas você nunca se esqueceu...

— Daquilo que te faz um homem forte...

Sua vontade de viver — falam juntos. — De nunca desistir de si... Essa é a força que emana de ti...

A caminhada prossegue durante longos minutos, sem desviar do caminho em nenhum momento. Quase me sinto andando em círculos, mas continuo ainda assim. Minha vontade viver... Minha fé... Essa é a energia que me move para o meu destino final; para o meu futuro ou minha queda. Tudo vai depender de quão alta é a minha vontade de viver.

Começo a correr de um modo equilibrado, não muito lento e não muito rápido, apenas se movendo um pouco mais rápido que uma andada comum.

O primeiro Malcriado aparece à minha direita.

NHIRRRRRRR — corre loucamente com as mãos esticadas sacudindo, abrindo e fechando os dedos de meio em meio segundo. — RRUÁRRRRRRRR!

Jardines - Tragédia Utópica (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora