As paixões avassaladoras ou amores eternos são causados não só pela atração ocorrida no princípio — sendo esta por qualquer razão — , mas pelo trabalho de um ser jocoso, sensível e pequenino, responsável pelo conhecimento sentimental de cada indivíduo existente. No decorrer dos capítulos, este singelo narrador compartilhará das informações que adquiri com o correr do ponteiro.
John Lennon e Paul McCartney estavam na biblioteca realizando um trabalho de literatura inglesa. Necessitavam escolher um autor, obra e escola literária para a apresentação na semana seguinte.
Na mente daquele, tudo não passava de um plano do professor de juntá-los. Brian, seu lecionador, adorava-os, já que, eram os únicos a lhe proporcionarem atenção na sala de aula. A união deles seria extremamente benéfica em sua perspectiva.
Ademais, compareciam ao clube do livro do colégio, mas nunca passaram da superficialidade: conversavam sobre obras clássicas de seus gostos e debatiam, os dois, sobre os assuntos dados. Apenas.
Apesar disso, Lennon deleitava-se em cada sórdido vocábulo liberado dos lábios bem desenhos de McCartney.
Era ridícula tal atração. Ora, nem o conhecia!
Achou a resposta facilmente: o Eros brincava ao seu redor.— Seguinte, Estrelinha, quem você acha que vai se apaixonar primeiro: o seu ou o meu? — questionou George Harrison, o cupido de John, encostado no balcão amadeirado da bibliotecária, que dormia profundamente.
— Analisei a situação e percebo que o seu rapazinho já tem um ar de admiração. Entretanto, todavia, porém, Macca apaixona-se facilmente: basta o recital de um poema de Byron para que esteja despedaçado — retorquiu Ringo Starr, que encontrava-se sentado, com as perninhas rechonchudas cruzadas, ao lado de seu amigo.
— Hm... Interessante... — Deixou apenas um cotovelo apoiado. — Você acha que eles irão ao baile juntos?
— Olhe, se o seu mocinho pedir, quem sabe. Macca é tímido o suficiente para não efetuar certas tarefas, por mais que as queira. Sem ressaltar o fracasso do último relacionamento dele... — disse, ajeitando sua bolsa de algodão contendo algumas flechas.
— Qual é a da EcoBag?
— Ora, é uma opção saudável para o mundo! Eles são mortais, mas nós não; ainda quero gerar muito amor por aí. Posso ser um cupido, mas sou ecológico e me preocupo com as futuras gerações.
— Oui, oui, monsieur. Mas não vejo...
— Silêncio! — interrompeu bruscamente. — Eles estão falando alguma coisa.
Paul colidiu sua cabeça com o livro em cima da mesa. Estudara durante a semana inteira e ajudara sua família com a mudança. Estava fatigado.
— Tem certeza que deseja prosseguir? Quero dizer, nós podemos dar uma pausa...
— Não, Johnny, está tudo bem. Se pararmos, nos atrasaremos. — Ergueu-se assim que finalizou. — Onde estávamos? Sim, a escola literária...
...o relógio soou. Eram três horas da tarde.
— Ele já está com esse nível de intimidade? Chamando o John de Johnny?
— Meu Paulie é assim mesmo. Um querido, não?!
Lennon encarou o relógio grudado na parede branca defronte a si.— Temos duas horas até que aqui feche. — Paul concordou com um murmúrio; John concentrou-se nos escritos. — Poderíamos falar do Esteticismo¹... Você já leu Dorian Gray?
Os ponteiros caminhavam de modo remansoso.
— O rapaz tem bom gosto — ciciou Ringo.
— Eu num te disse, Estrelinha?
Tic. Tac. Tic. Tac.
— Já sim. Gosto da amplitude que temos: a contradição na crença de Wilde e sua obra. Quero dizer, ele não acreditava na arte como educadora, moralista.
— "Toda a arte é absolutamente inútil."
— Justamente! Ao mesmo tempo, fez uma obra repleta de moral.
Lennon pôs sua face na mão, suspirando suavemente.
— Ai, ai! — comentou Harrison.
Pegando o caderno azul anil, anotou com sua caligrafia espaçada, um tanto incompreensível também.
— Você tem letra de poeta — comentou Paul, vendo John olhá-lo por cima dos ombros com um sorriso sereno.
— Isso é um grande elogio. Grato.
Voltou-se para seu escrito, sentindo a presença de McCartney mais próxima através da respiração. Ousaria dizer que seu braço era suportado pelo encosto de sua cadeira de cedro.
Os joelhos se tocaram.
Mais uma vez, Lennon encarou a tez pálida de seu companheiro.
— Primeiro, a escrita do John nem é isso tudo: é um caos eterno. Segundo, o que eu perdi? Não compreendi nada.
— Isso é a atração, meu caro Geo, na sua forma mais genuína.
O moreno organizou os papéis e livros utilizados, levantando-se para guardá-los nas prateleiras indicadas. A ação chamou atenção do acobreado, que ficou encantado com o pequenino corpo.
Tão sensível! Colocaria-o em seu colo facilmente.
— Oh, minha Vênus! — exclamou George ao receber tal raciocínio.
Com o retorno de Macca, John anunciou:
— Ficarei com a obra, você, com a biografia. A escola literária ficará com os dois, tudo bem?
— Como desejar! Quando será o próximo encontro para ajeitarmos os tópicos?
— Que tal na sexta daqui a duas semanas? É tempo suficiente para seu descanso e estudo.
— Você é deveras atencioso. Tudo bem. Fico imensamente grato.
Naquele momento, foi a vez de John hastear-se.
— Eles estão saindo, Estrelinha!
— Não sou cego, Geo.
— Inescrupuloso! — murmurou.
— Nem surdo.De frente à porta da biblioteca, despediram-se:
— Te vejo no intervalo? — interrogou John.
— No intervalo.
Apertaram suas mãos, registrando seus dígitos na superfície.
— E lá vamos nós! — proferiu Harrison.
— Estou ansioso para essa imersão no mar da paixão.
— Piegas!
Foram-se em sentidos opostos.
¹ Movimento artístico que surgiu e se desenvolveu no século XIX. Suas principais características são o culto ao belo, dando foco à estética, e a arte pela arte, ou seja, sem fins utilitários.
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les cupidons | mclennon.
FanfictionOnde George Harrison e Ringo Starr são cupidos, respectivamente, de John Lennon e Paul McCartney. [shortfic].