III.I.

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Posteriormente à sorumbática fase, lá estamos em uma procura inconsciente de alguém que possa gerar uma orexia em nosso amor. Exato, orexia! Buscamos por aquilo que não possuímos desde que sejamos cônscios dessa deficiência. Se o pensamento de completude toma conta do âmago, o que resta? Aí está o motivo para a caminhada ter uma pausa: não pelo cansaço unicamente, entretanto pelo reconhecimento de merecermos um mergulho na enlevação própria. É notório, porém, que ocorrerão casos distintos: há aqueles que pararão na pousada amadeira entre as árvores e adorarão tanto que construirão sua própria moradia por ali; outros serão visitantes por tempo indeterminado e, quem sabe, conhecerão sua necessidade ali. Em suma, o amor ao próximo — sendo este o amante — é a inópia existente em nós mesmos.

Novamente, Lennon e McCartney encontravam-se na biblioteca do colégio, no período vespertino, para finalização do trabalho de Literatura.

  O acobreado estava debruçado sobre a mesa, com o queixo entre a dobra do cotovelo, tentando, inutilmente, distrair-se com uma mecha de sua franja enquanto o outro terminava suas anotações.

  — Macca... — chamou arrastadamente.

  — O que houve, Lenny? — indagou sem despregar os olhos de sua obrigação.

  — Vai demorar?

  — Um pouquinho... — Levou sua mão esquerda ao topo da cabeça, coçando o local. — Por quê?

  — Estou entediado. — Retirou os dedos do cabelo e desceu para sua calça, indo, após, para a de Paul. Com a ponta do indicador, iniciou círculos imaginários por cima da coxa do seu parceiro. — Quero conversar!... Você sabe como sou loquaz.

  Em cima da estante mais próxima, Starr e Harrison vigiavam seus rapazes.

  — Ele sabe? — questionou George, retoricamente.

  — Sim, senhorito.

  O cupido de Lennon deitou-se com a cabeça pendendo para fora da última prateleira.

  — Só um instante, Lenny. — Pôs sua palma na parte superior das costas daquela que lhe acariciava, virando-se para o lado. — Tive uns contratempos em casa com a mudança, então, não pude fazer tudo. Perdão, meu sonhador.

  John deu-lhe um sorriso gracioso e acolhedor, que foi retribuído da mesma maneira.

  — Sem problemas, Macca! Enquanto escreve, vou atrás de alguma obra por aqui.

  Retirou-se daquela efusão através do toque e direcionou-se para a prateleira onde os cupidos estavam.

  — Você viu o mesmo que eu, Estrelinha?

  — Vi e senti. Ah, o coração pulsando rapidamente e os sorrisinhos!...

  — Aparentam se conhecer profundamente há muito tempo, não é? Será que são amores d'outra vida?

  — Gostaria de responder concretamente, mas não sei. Somos limitados.

  Harrison expirou com um pouco de cólera.
 Caminhando entre a imensidão de livros, John paralisou ao chegar no final do corredor. Estacou, porém, quando seus olhos abraçaram as palavras defronte a si. Agarrou a edição e aligeirou seu contato com McCartney.

  — Macca, veja o que encontrei! — pronunciou-se, sentando-se e captando a atenção do outro.

  — O Banquete²? Fazia a mínima ideia da existência dele por aqui — disse, estarrecido.

  John folheava a obra e posicionou seu dedo em uma página qualquer, abrindo-o mais para ter a liberdade de ler.

  — Ouça: "Aquele que não se julga deficiente não experimenta qualquer desejo daquilo de que não se sente deficiente."

  Paul mordeu o lábio inferior, analisando a face do seu amigo.

  Belo!...

  Uma ideia surgiu.

  — Johnny...

  — Oui, monsieur?

  — Vamos tomar um sorvete depois daqui?
  Lennon assentiu, sorrindo brandamente.

  — Isso é um encontro? — perguntou George, perplexo.

  — Um broto de um encontro — replicou, com o rosto entre as palmas.

  — Nem o destino aguardava essa.

  Será?...



 
² O Banquete, livro escrito por Platão, traz reflexões sobre o Eros — amor.

les cupidons | mclennon.Onde histórias criam vida. Descubra agora