IV.

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Por que da arte do toque? Por que necessitamos palpar? Este é um ponto imprescindível para muitos, caro leitor. Até o dado momento, não descobri uma razão compreensível e que me ludibrie suficientemente quanto a tal sentimento. Novamente, mais do que respostas, almejo perguntas. Enfim, quiçá seja pela ausência do tangível e familiar: novas terras exigem explorações mais do que apenas sentir a brisa vinda do mar. Somos devotos à forma que delimitados do amor em detrimento do conhecimento deste. Sendo assim, queremos preencher a nossa mísera existência de maneiras inenarráveis: seja pelo tocar, pelo pensar ou pelo estar. O toque tende a unir-nos, transmudarmo-nos em apenas um, se desejado. Quem sabe? Isso é um devaneio. Nunca toquei.


A campainha da grande casa na esquina tocou em um sábado matutino. Paul expressou-se através do alto tom: “Não se preocupe, mãe, eu atendo!”

Os degraus nem puderam se apropriar de seus pés: descera rápido.

Abrindo-a, sem ao menos verificar, apreciou a imagem defronte.

Lennon estava com um short azulado, blusa branca com os dois botões principiados abertos, os óculos de grau no meio do dorso, os de sol, na face.

— Olá, Johnny! — comentou, timidamente.

— Oh, meu sonhador! — Sorriu, assustando-se levemente; encarou-o veementemente por trás das lentes amarronzadas. Eufônico! — Adorei a roupa. — Assemelhava-se a sua.

— Os ares veraneios estão por cá, não é mesmo? Mas venha, adentre.

Assim que o fizeram, Mary McCartney veio recebê-lo.

— Você deve ser John, certo? — Fazendo a troca dos utensílios visuais, cumprimentou-a. — Paul comenta assaz sobre vossa pessoa, acredito que seja fascinante.

— Oh!... não era cônscio disso. — Fixou-se na tez rubicunda de seu companheiro. — Não é para tanto, mas obrigado, senhora McCartney.

— Não necessita dessa formalidade, querido. Chame-me de Mary. Enfim, garotos, estarei em meu escritório caso necessitem de algo. Divirtam-se!
Encaminharam-se para a saleta que ficava na área externa da casa, passando, antes, por um corredor repleto de pinturas.

— Estrelinha, você acha que ela desconfia?

— Ela sempre sabe, Geo; sempre sabe...

Os cupidos pararam de frente a uma específica.

— Aprecio como representam a gente de uma maneira tão indesejada pelos humanos — comentou, com demasiada ironia.

— Sequer cogitam o fato de sermos o centro das maiores obras de arte, consequentemente, da vida deles. Afinal, ora!, que absurdo isso de amor! — George riu-se daquele comentário. Nunca imaginou Ringo com tamanho desdém.

— Execro o amor.

Deram continuidade, gargalhando.

Atravessaram um considerável jardim, completo da natureza. Oh, entidade sensível! Havia um caramanchão em concreto, uma pequenina fonte e algumas estátuas com um quê clássico.

— Você possui o Éden na sua casa, Paulie, e nem me disse. Sinto-me traído.

— Seu bobinho! — Segurou sua mão, entrelaçando seus dedos. — Venha: o melhor ainda está por vir.
Lennon vislumbrou aquela casinhola por entre as grandes árvores: tinha detalhes que remetiam à arquitetura greco-romana. Suas pupilas dilataram ao pisar naquele espaço. Comovente.

— Eu não te falei? — comentou em um riso, dando abertura às tantas vidas que ali existiam.

Era um cômodo único, arejado, contendo diversas estantes, caixas e duas poltronas sobre o carpete bege. Através das janelas, os raios de luz preenchiam o lugar.

les cupidons | mclennon.Onde histórias criam vida. Descubra agora