II.

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O rompimento de laços, como já citei anteriormente, traz uma dor gigantesca. Então, por qual razão iniciá-los se irão acabar? A vida é formada a partir das mais diversas tentativas. O amor é aprendizado, um sentimento complexo, que traz, inconscientemente, sensações lúgubres consigo: a saudade, a dor, a solidão, a transigência. O óbice surge com o almejo do ser humano de possuir uma efusão constante, não se lançando às suas lágrimas para, após um tempo de imersão, voltar à tona. Ninguém o quer, mas o sofrimento urge pertencer à nossa existência. Aprendamos a nadar!

Quando o sino interrompeu as aulas, sinalizando o intervalo, Lennon capturou seu livro e caminhou até a parte menos movimentada do colégio: um jardim ao lado da sala dos professores, que recordava-o a França, onde esperava ir um dia.

Sentou-se abaixo da sua árvore, território demarcado por si. Algumas garotas que, às vezes, iam até lá para brincar entre os lírios e dentes-de-leão eram cônscias daquele local sagrado para o acobreado.

As mesmas meninas questionavam constantemente a possibilidade de John ser depressivo, até porque, nunca fora visto com mais ninguém por aquelas bandas.

O ponto é: Lennon era solitário e apreciava sua solidão. Não tinha problema em estar com sua companhia apenas.

Depois de anos sendo imposto a ele tal situação, acostumou-se.

Aprendera a nadar: ia até o fundo do mar salgado de suas lágrimas, retornava à areia amarelada, tocava o sol de suas íris e assim os dias passavam.

A alacridade absoluta é impossível, ele reconheceu isso. Era satisfeito.

  Mas, naquele intervalo...

  — ...Lenny?

  Ao erguer sua cabeça, a face angelical de uma obra barroca foi visualizada. O livro próximo ao peito, o suéter de lã cinza e os fios negros reluzentes.

  — Macca! Como me achou? — questionou perplexo.

  — Eu o segui, para ser sincero. Desde aquele dia, não mais o vi. E, bem, você prometeu que nos encontraríamos. Mas caso seja um incômodo, não se preocupe, já que, não é sua obrigação...

  — Claro, claro — interrompeu, consertando-se. — Perdão, querido, foi puro instinto. — Afastou-se assim que findou sua fala. — Sente-se cá, Paulie — disse com ternura, tocando, delicadamente, a grama com sua palma.

  McCartney aconchegou-se ao lado do seu companheiro literário, pondo seus joelhos grudados com os dele.

  — Você não é obrigado a isso, Johnny.

  — Eu sei, por isso estou te convidando. Eu o quero aqui. — Sorriu. — Conte-me: o que está lendo?

  — Quanta gentileza e atenção!... Iniciei Noites Brancas, um livro russo.
  — Dostoiévski, certo?

  Paul espantou-se.

  — Você o conhece?

  — Sim, Macca. — Sua risada cativante foi audível. — Já li, inclusive, este e outros dele.

  — Você é um sonhador?

 O acobreado fechou o livro, cruzando os braços e apoiando sua bochecha na mão direita posteriormente, principiando suas interpretações.

  Nos galhos úmidos, Ringo balançava suas perninhas rechonchudas e George descansava com as costas voltadas para o tronco.

  — Oh, Geo, eles são tão graciosos — comentou, observando a cena de identificação entre dois âmagos
  — É... são, sim — respondeu distraidamente, organizando suas flechas.

  — Você acha que eles são almas gêmeas?

  — É impossível definir, só o Superior possui conhecimento disso. Não me arrisco com apostas para não criar expectativas.

 — Age contrariamente à minha pessoa: aprecio a análise de cada personalidade dos futuros amores, calculando, inclusive, a probabilidade de permanecerem juntos até a eternidade.

  — Não acha perigoso? Quero dizer, o resultado é refletido diretamente nele.

  — Ou o contrário: ele o faz e reproduzo. Nada sabemos, Geo.

  — Crê nessa teoria? De que o inverso é real?

  — A via de mão dupla é a única alternativa viável para mim. É como indagar: "A arte imita a vida? Ou a vida imita a arte?". Ambas estão em um contato direto, compartilhando da mesma existência: se uma é exterminada, a outra será em questão de tempo. Há uma dependência.

 — Hm... faz sentido... — exprimiu, desprezando de modo irreflexivo o conhecimento. Harrison, oposto a Starr, não se importava com essas conjeturas, fazia o seu trabalho e estava contente com isso. — E quando vamos acertar as flechas?

— Não tenho noção. Espero, unicamente, que o sinal surja o quanto antes.

— Se é que ele vai aparecer...

— Ora, não seja pessimista!

— Sou um realista! Um claro dickensiano, Estrelinha! — protestou veementemente.

 No instante em que Ringo ia retrucar, o som estridente do sino foi soado.

 Quando ficou de pé, John ajudou Paul a se hastear.

  — Amanhã, neste mesmo lugar? — questionou Lennon.

 — Estarei aqui, meu sonhador.

  Estenderam as mãos em forma de despedida.
  A solidão é efêmera, pensaram as meninas dos dentes-de-leão.

  Em caminhos opostos, novamente, seguiram para suas aulas seguintes.

les cupidons | mclennon.Onde histórias criam vida. Descubra agora