— Será que ela viria aqui logo hoje? — Alice perguntou ao amigo enquanto via as pessoas saindo de suas casas. Algumas a pé, outras já em seus carros, mas todas com um sorriso emblemático nos rostos.
Um desses sorrisos ela reconheceu de imediato, e a princesa mecânica notou o entusiasmo em seus movimentos. Igor deu-lhe um tapinha nas costas. "Vai lá!", ele sinalizou.
Alice suspirou, estalou os dedos e foi até o grupinho que saía do prédio mais baixo em frente à praça. Quando visitava seu cantinho preferido do bairro nas madrugadas distantes, em que não havia doença e nem medo, ficava imaginando quem morava naquele condomínio tão aconchegante. Olhava para a janela tantas vezes que, em uma noite de estresse e vinho de companhia, encontrou a garota mais linda que já tinha visto.
A conexão foi além da aparência — quando ela desceu, conversaram até o amanhecer, mas uma emergência no hospital em que era residente a chamou. Depois daquele encontro perfeito, isolamento. Finalmente poderiam trocar os contatos em um tempo hábil e sem Alice precisar criar um robô para preservar suas memórias.
Se distanciando dos amigos, a garota atravessou a rua e evolveu Alice em seus braços. Eram tantas lembranças que voltavam. Cheiro, afeto, calor. Tudo que havia se dissipado com o decorrer da quarentena lhe era atirado outra vez. Não queria que aquilo acabasse, jamais permitira que o mundo voltasse para aquele estado de dormência.
— É impressão minha ou você tem uma irmã gêmea? — a garota indagou, os olhos pretos e amendoados contendo um choro provocado pelo reencontro.
— Longa história — disse Alice com a língua de sinais. — Pra todo caso, melhor ter duas de mim do que só uma. Assim ninguém se perde mais.
A resposta veio com um beijo. Nunca tinham a beijado antes. O coração bateu acelerado no peito, retomando para suas memórias músicas que há muito havia escutado. Um ritmo calmo para tempos de serenidade que viriam. Ao ver a menina mais de perto, entendeu que tudo podia ser real. Dali para frente, tentaria se dedicar ao máximo para que aquela sensação fosse permanente.
Ela envolveu as mãos da garota e a chamou para caminhar junto a Igor e a princesa mecânica. Aos poucos, a chuva parava de cair e felicidade preenchia a conversa entre os quatro. Sua criação ainda tinha muito o que conhecer sobre a vida, mas ela também se preparava para viver novas histórias. Em breve, o universo deixaria de ser uma mera casa para os seres humanos — ele voltaria a ser um lar.
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Vai ficar tudo bem
Teen FictionO período de isolamento social já é difícil por si só. Com a quantidade de notícias tristes ao redor de todo o mundo, então, nem se fala. É muito fácil ficarmos pessimistas, desesperançosos e alarmados. É difícil enxergarmos o fim do pesadelo e serm...