Segredos, pt. 2, por Beatriz Montenegro

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Torço para que ela goste de mim agora, antes de conhecer os meus segredos. Torço, principalmente, para que ela continue gostando de mim depois que souber de todos eles.

Eventualmente, as coisas começam a voltar ao habitual. Pessoas retomam seus trabalhos, escolas e faculdades voltam a funcionar e, pouco a pouco, tentamos recuperar tudo o que foi perdido nos últimos meses. Sei que alguns perderam tudo, e que muitos de nós precisaram se despedir precipitadamente de familiares e amigos, mas temos o privilégio de continuar aqui. É o que a Cecília diz sempre que eu pareço um pouco triste.

Temos passado bastante tempo juntos desde o fim do isolamento. Embora eu esteja cursando jornalismo, sempre arrumo um jeito de aparecer no centro de arquitetura só para vê-la. Ainda não tive coragem de convidá-la para um encontro e começo a suar frio só de pensar nisso, porque sei que teria que contar a verdade – que não sou o que a maioria das pessoas espera de um garoto.

Hoje é a primeira vez que vamos ao cinema na era pós-pandemia. Cecília me envia uma mensagem para avisar que sua prima desmarcou a saída e que seremos só nós dois. Fico contente por ela não ter desistido de sair comigo e entendo a oportunidade como um sinal para finalmente dizer a ela como me sinto. Tomo banho, ajeito a barba e visto o que eu julgo ser a minha melhor roupa, mas não quero que Cecília pense que estou me esforçando demais. Não posso parecer tão investido nisso, caso meus planos acabem indo por água abaixo.

Ajo com naturalidade quando ela entra no carro, ainda que meu coração esteja prestes a sair pela boca. Diferente de mim, Cecília não precisa se esforçar para ficar bonita – ela é linda sempre, de todos os jeitos que uma pessoa pode ser.

— Uau, que gata! — digo, esperando que ela me leve a sério sem realmente me levar a sério.

— Então somos dois, Lipe — Cecília responde, beijando o meu rosto.

Conversamos durante todo o caminho até o shopping e eu não consigo acreditar que, de todas as pessoas, é comigo que a garota mais incrível do mundo escolheu passar o sábado à noite. Tento prestar atenção no que está acontecendo no filme, mas não consigo deixar de pensar em como a mão dela está perto da minha. Perto o suficiente para eu tocá-la. Ela se arruma na poltrona de modo que os nossos braços se encostam e estou tão ansioso que esqueço até de respirar. Acaricio o seu dedo mindinho com o meu e ela deita a cabeça no meu ombro. A única coisa em que consigo pensar agora é se eu já posso beijá-la.

Então, quando me dou conta, Cecília segura o meu rosto e sua boca vem até a minha. Meus olhos estão fechados e eu me desligo completamente de onde estamos ou do que está acontecendo ao nosso redor. É como se o universo inteiro parasse de novo por 137 dias, mas dessa vez eu não estou preso – estou exatamente onde quero estar pelo resto da minha vida.

Depois do filme, voltamos para casa de mãos dadas. Voltamos para casa de mãos dadas todas as noites depois disso. Eu preciso encontrar novas formas de dizer o quanto gosto dela – dos seus olhos, do seu nariz, da sua boca, da sua voz, do seu cheiro. Preciso que ela saiba que eu não consigo mais viver sem o seu sorriso, sem o seu carinho, sem a sua companhia.

Vai ficar tudo bemWhere stories live. Discover now