cápitulo 1

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A primeira vez que ele me olhou parecia ter alguma coisa fedendo bem debaixo do seu nariz. E por mais estranho que pareça, pois realmente parece, eu sorri daquele seu jeito de olhar.
Ele gritou a tia no fundo da casa. Ela sabia que era eu, é óbvio. Era a terceira vez que a pedia algo emprestado só naquela semana.
Isso feria meu orgulho, mas infelizmente as coisas estavam difíceis demais para manter meu status.
Bathilda me adorava. Me achava excepcional. Eu estava acostumado com isso, com todos aplaudindo minha destreza e inteligência, principalmente os adultos. Com os jovens era outra história... não que o sentimento fosse contrário, me entenda, mas havia certa inveja descarada na admiração que meus "amigos" sentiam por mim. Com exceção de Elifas, que era o mais próximo de mim.

Não foi aí que me apaixonei por Gellert. Digo, não foi algo a primeira vista, sabe? Não que eu não acredite que isso possa acontecer, mas não foi comigo. É óbvio que o achei bonito e estiloso, mas foi algo puramente carnal. Eu levaria tempo pra me apaixonar por ele, pelo seu cérebro, eu digo, já que seu coração só era capaz de bombear sangue.
Talvez você se sinta irritado com essa minha maneira fria de ver o mundo. Não o culpo por isso, levando em conta que provavelmente foi criado em um lar onde prezam pelo mais puro dos sentimentos: o amor.
Devo dizer que também fui criado assim, mas tantos anos de estudo em Hogwarts e depois estágios no Ministério da Magia, sempre exercitando minha mente, me deixaram desse jeito. Me deixaram preparado para viver a vida sem me prender a sentimentos fúteis e jovens.
E mal sabia eu que naquele verão tudo isso ia mudar completamente.

   - Oh! Alvo... é você. - Bathilda exclamou, empurrando o jovem loiro pro lado, sem pedir licença. Ela trazia uma panela na mão, o avental sujo de farinha de trigo e os cabelos amarrados em um coque apertado. - Vamos, pegue a panela, Ariana deve estar morta de fome.


Eu peguei a panela e a segurei com as duas mãos. Estava pesada e morna. Senti seu peso contra meu abdômen e sorri internamente do cheiro bom que aquilo exalava.

   - Não sei como te agradecer! Muito, muito.. obrigado! - eu disse, constrangido.

   - Não precisa agradecer querido, Kendra era minha amiga, não estou fazendo nada demais. - ela lançou um olhar a Grindelwald como se o estivesse vendo pela primeira vez. - Ah, este é Gellert, meu sobrinho. Gellert, esse é Alvo, de quem te falei mais cedo. Ele seria uma ótima companhia pra você. Se formou em Hogwarts há pouco tempo; e não foi expulso.


Ela empregou ênfase exagerada ao dizer a última frase. O garoto loiro revirou os olhos, como quem já ouvira aquilo mais de cem vezes.

   - Gellert veio passar um tempo aqui. Está fazendo uma pesquisa sobre sei lá o que. Veio da Rússia. - ela explicou e sorriu. Eu balancei a cabeça, o cumprimentando, ele me olhou e mexeu a cabeça levemente.


Depois ela o enxotou, dizendo para que ele me ajudasse a levar a panela.
Gellert tomou a panela das minhas mãos e esperou que eu fosse na frente. Eu fui, e ele me seguiu, obediente.
Fui chutando pedrinhas o caminho todo, estava com vergonha do que sua tia tinha dito a ele. Isso costumava acontecer sempre; os adultos me usavam como parâmetro de inteligência e sucesso e eu não sabia como reagir. Geralmente os outros jovens me odiavam a partir disso, mas Gellert parecia estar lidando perfeitamente bem com aquilo, despreocupado e nada ofendido com a comparação. Hoje, posso jurar que ali ele mostrava o quão genial e terrível era. Aquele olhar, o jeito de andar e a revirada de olhos; tudo. Absolutamente tudo, indicava o quão perigoso era aquele garoto. Mas no dia, tudo o que consegui pensar foi que aqueles seus trejeitos de quem é firme, me soavam estranhamente sedutores.
É claro que já tinha despertado desejo por outros garotos. Sempre fui assim. Desde que nasci. Não é como se alguém ficasse assim quando mais velho. Ninguém nasce gostando de garotas e ao longo da vida passa a gostar de garotos. Ou você gosta de um ou de outro, mas isso é desde que nasceu. A não ser que você goste dos dois ao mesmo tempo. E comigo não foi diferente. Mas Gellert... não sei explicar. Não senti uma atração igual por ele. Foi mais uma curiosidade espinhosa. Eu precisava conhecê-lo e não sabia porquê.

   - É verdade o que ela disse? Você se formou e é mesmo excepcional? - ele me perguntou sorrindo. Na hora, eu fiquei confuso, mas posso jurar que a forma como ele disse aquilo, a sua voz grave e ao mesmo tempo suave como pluma, cheia de um sotaque russo estranhamente sensual; tudo isso me soou como o começo de um flerte. Pode ter sido involuntário, mas isso aguçou minha curiosidade por ele. O que ele teria feito de tão terrível pra ser expulso? E que pesquisa estava fazendo?


Continuamos andando. Eu tive que sorrir. Levantei meus olhos e o encarei, o seu sorriso era zombeteiro, mas não era malvado. E era sem dúvida convidativo.

   - É o que todos dizem. Mas não leve tão a sério... quer dizer... eu realmente ganhei prêmios pelo meu esforço, mas qualquer um que se esforçasse ganharia o mesmo que eu. - eu me expliquei. Chegamos até a porta da minha casa. Ariana olhava da janela. Gellert a viu, mas não disse nada.

   - Falsa modéstia não te levará a lugar nenhum, Alvo. - ele riu e eu sorri. - Você parece mesmo genial.


Ele olhou pra janela de novo. Ariana sumiu. Eu olhei pra trás pra ver o que ele estava olhando.

   - Ela é sua única irmã? - me perguntou.


Balancei a cabeça em negativa.

   - Tenho mais um irmão. O do meio. Se chama Aberforth. Está em Hogwarts. - eu pigarreei e olhei pro lado, como quem pensa no que vai falar em seguida. - Você estudou em Durmstrang? Ou foi em outra escola na Rússia?

   - Em Durmstrang. Era legal, mas ouvi dizer que Hogwarts tem uma floresta incrível. - ele me disse.

   - Hogwarts inteira é incrível. - eu respondi sorrindo, orgulhoso por não estar falando de mim mesmo.


Gellert ficou me olhando sério, quando eu falei isso. Meu sorriso murchou. Daí ele sorriu de eu parar de sorrir e por mais estranho que pareça, eu tive certeza de que ele pensou em cada movimento antes de realizá-lo, só pra causar o efeito que tinha acabado de me causar; o efeito de excitação e vontade de conversar mais.
Não sabia como ele fazia aquilo, mas cada passo seu parecia minimamente calculado. Ele parecia querer me enrolar em uma teia, mas não com sua própria seda, mas com a minha mesma. Ele estava me tecendo com a minha seda, para que eu me enrolasse sozinho e ele não tivesse culpa. Foi isso que eu senti. Mas não me importei, pois era bom oferecer material enquanto ele realizava o trabalho.
Daí eu sorri e ele me olhou de uma forma como se estivesse curioso, os olhos fechando devagar e deixando uma fenda, depois ele sorriu de novo e abriu os olhos, como se finalmente tivesse descoberto meu segredo e o fosse usar para me destruir. Tudo isso aconteceu muito rápido, cerca de três segundos, e foi absurdamente sutil. Só hoje percebo claramente e consigo colocar em palavras o que aconteceu, porque revivi essa cena milhares de vezes por meio de sonhos.
Ele me entregou a panela. Eu fiquei o olhando. Gellert olhou a janela de novo.

   - Minha tia disse que ela estava doente. Espero que ela melhore, parece ser uma garota dócil. - sua curiosidade por Ariana era absurda, não entendi o porque. Será que ele pensava que ela era um aborto? O meu rosto corou ao pensar isso.

   - Eu também espero, Gellert. - eu olhei a janela, não tinha ninguém lá. Quando me virei, ele me deu o melhor de seus sorrisos. Você pode até negar, mas vai saber que é verdade. Não existe nada mais atraente em alguém do que o sorriso. O corpo é importante é claro, mas o sorriso é a supremacia da beleza.

   - Passo aqui depois pra pegar a panela da minha tia. Você precisa se alimentar melhor, tá bem magrinho. - ele empurrou meu ombro devagar, sorrindo. Como se zombasse carinhosamente da minha estatura, assim, sem nem me conhecer.


Ele me deu as costas e foi. Fiquei observando ele ir, as costas, o cabelo loiro; tudo aquilo indo embora. Gellert era completamente sedutor. Seu jeito de falar e agir combinavam perfeitamente com sua aparência e estilo. Eu sorri.
Quando caí em mim mesmo, percebi o quão excitante tinha sido conversar com ele naquele breve período de tempo. Não tínhamos trocado nenhuma palavra obscena, eu sequer tinha visto sua aparência direito. Mas suas palavras bem escolhidas, embora poucas, sua lábia, seu jeito despreocupado e confiante, tudo isso... era o que o fazia mais sedutor.
Daí, a noite, eu fiquei esperando ele vir pra buscar a panela vazia. Mas ele não veio, e sumiu até a outra semana. E só então percebi como fiquei pensando nele todos os dias desde aquela primeira conversa. Embora tivesse certeza que paixão a primeira vista não funcionava comigo.

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