PARTE I - O subcomandante prodígio

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Para entendermos nossa história, o mais importante é retrocedermos alguns milênios de anos, para outro tempo e também outro lugar, muito longe do plano físico e da correria mundana.

Nossa história inicia no paraíso.

O som do aço chocando-se ricocheteava pela vasta campina enquanto os lutadores, já banhados em suor e exaustos, se negavam a ceder.

Orgulhosos e astutos, os guerreiros Querubins eram conhecidos pela força e coragem. Ótimos estrategistas e exímios combatentes, sua natureza sempre se negava a deixá-los darem-se por vencidos, por isso as espadas não repousavam mais que dois segundos antes de voltarem a se chocar com violência.

Nossos dois competidores eram bastante conhecidos em meio às legiões: Alas, um subcomandante prodígio dotado de carisma, longos cabelos castanhos, olhos avelã e sorriso sádico e Calandriel, capitão dos Querubins, dotado de músculos, uma longa cabeleira negra, olhos sagazes e postura astuta.

Alguns anjos paravam para ver quando os dois celestes lutavam. Calandriel era o responsável por tornar Alas um subcomandante respeitado e se orgulhava de seu trabalho, embora precisasse concordar que o novo posto havia transformado Alas em um ser sedento por mais poder, mais força e cada vez menos compaixão.

Alas até pouco tempo trabalhava nos acervos bibliotecários particulares dos celestes. Lá eles guardam todo o estudo sobre os homens, sobre o universo e sobre a vida, mas a rotina de estudos não fazia o celeste feliz.

Em uma ocasião, Calandriel acabou esbarrando com o jovem anjo por um dos corredores, confessando estar perdido. Alas foi simpático, o ajudando em seu caminho.

O pouco tempo que conversaram havia sido suficiente para o Capitão perceber a fome do outro celeste por algo maior que conhecimento. Alas era astuto, demonstrava um espirito para a guerra sem igual e ali Calandriel viu potencial.

Os dias correram e Calandriel deu os próprios passos, convocando os Arcanjos para uma reunião. O Capitão queria Alas sobre seu treinamento.

No início, acharam descabível uma troca de funções dessa magnitude, mas Calandriel apresentou seus motivos e por fim, os Arcanjos aceitaram seu pedido.

Alas era desajeitado e pacífico demais no início. Não sabia utilizar a espada, não enxergava o potencial de força do próprio corpo, seu reflexo era péssimo e a armadura parecia que iria o levar ao chão a qualquer segundo, mas tudo foi moldado com treino e persistência do Capitão e do próprio Alas.

Em pouco tempo os reflexos melhoraram, os golpes se tornaram certeiros, a maneira pacifista começava a desaparecer e a astucia do jovem guerreiro se tornou notável. Dali para o cargo de subcomandante havia sido um passo e de piada entre as legiões, Alas passou a exemplo de superação.

Os dois celestes ofegantes sentaram-se lado a lado, pousando as espadas na grama.

- Se seguir esse ritmo em breve assumirá o comando. – Disse Calandriel em seu tom brincalhão, cutucando Alas nas costelas.

- Oh! Não duvide General... – Alas respondeu a provocação com um sorrisinho de lado. Embora ele não quisesse assumir o posto, essa troca de farpas entre os celestes era notável e já fazia parte de sua rotina.

- Desceremos ao plano terreno em breve. – Disse o General, seu semblante fechando. – Já esteve na terra? – Alas ponderou alguns segundos.

- Não, mas já li tanto a respeito que sinto como se conhecesse. – O tom de desprezo em sua voz era nítido. – E não me agrada em nada ir para lá.

- Ora, será parte de seu trabalho de agora em diante. – Calandriel o repreendeu. – Não é raro para nossa casta descermos ao plano terreno, aproveite a oportunidade e retire de lá o melhor da experiência.

- Faça-me o favor General... fala como se não estivéssemos indo até lá sujar nossa espada com sangue. – Alas foi duro em sua colocação, mas no fundo estava certo.

- Pode até ser, mas de toda situação podemos colher bons frutos Alas, lembre-se disso quando descermos.

O General levantou e deu um leve aceno com a cabeça para o subcomandante enquanto embainhava novamente a espada. Alas permaneceu sentado, as feições serenas, a postura relaxada.

Sempre lera sobre a história dos homens e desprezava cada uma delas, embora jamais admitisse para o General que ficaria extremamente feliz em "limpar" de certa forma o plano terreno da presença de seres que ele considerava tão repugnantes, jamais o faria, pois entendia a repressão que sofreria.

Portanto com seu sorriso amigo e postura de combatente exemplar, aguardaria os dois próximos por-do-sois com paciência, sedento pelo momento em que finalmente alçaria voo em direção a terra. 

ALASOnde histórias criam vida. Descubra agora