A praia (e confissões)

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       Lilia acordou com o som do despertador, às cinco da manhã. Havia esquecido de tirar o alarme. Já não havia por que se levantar tão cedo, já não trabalhava como professora de crianças. Esse era o primeiro dia em que podia se considerar uma desempregada. Minhas crianças. Odiava pensar nisso. Odiava lembrar do que Vladmir lhe havia feito. No fundo, culpava-se um pouco. Não deveria ter se deitado com ele, mesmo que o maior culpado fosse o próprio diretor por seu comportamento machista.

       Primeiro, perdeu seu "namorado", depois o emprego. Tinha medo de perder Clara também. Não, não queria pensar nisso. Só de fazê-lo, gelou. Encostou novamente a cabeça no travesseiro. Tentou pegar no sono, mas não conseguiu. Rafael veio em sua mente. Ela se arrastou até a janela e viu que o dia seria ensolarado. Que de dane. Ligou para o telefone de seu amigo.

       Ele dormia tranquilamente quando ouviu um barulho vindo de debaixo de seu travesseiro. Ignorou o primeiro. Ouviu o segundo. O terceiro. Será que é o despertador? Não, esse é diferente. Quem será a essa hora?, Pensou.

"Alô?", sua voz saía rouca.

"Rafa? Sou eu, Lilia. Quer ir à praia hoje?"

       Ele levou alguns minutos para entender o que ela dizia.

"Você quer ir?", ela insistiu.

       Rafael pensou um pouco. A faculdade. Refletiu. As lembranças que quero manter... Fez uma longa pausa enquanto se decidia. Que se dane!, Lilia está me chamando para ir à praia. Pois vamos à praia.

"Tudo bem.", esforçou-se para não parecer tão ansioso.

"Nos vemos no ponto de ônibus às sete. Não quero ir aí para que sua mãe me odeie mais do que já odeia.", ela brincou, desligando, em seguida, o telefone.

       O rapaz, se levantou, em um salto. Havia perdido o sono.

***

       Lilia olhava através da janela do ônibus. O vento que entrava pelo espaço aberto bagunçava sua franja. Rafael sentia o perfume dela acariciando seu nariz. Suas mãos começaram a suar e algo dentro dele se remexia. Não sabia o que era. Quando isso havia começado?

"Rafael? Está tudo bem?", Lilia notou que ele estava muito calado.

"Claro, por que não estaria?", aja naturalmente, Rafael, seu cérebro o alertava.

"Você está estranho.", comentou ela.

"Impressão sua.", tentou esconder.

       Não demorou muito tempo e já estavam na praia. Como era dia útil e muito cedo, o lugar estava vazio, os trailers fechados. Lilia o ajudou a descer do ônibus. O mar lhe esperava para lhe dar um abraço, como um velho amigo distante.

"Agora vamos pisar na areia.", a mulher lhe conduziu.

       Assim que os pés de Rafael tocaram a areia, seus sentimentos afloraram a ponto de não conseguir se controlar. A imagem de sua infância voltava com força. Ele se lembrava de cravar os dedos dos pés no chão fofo, de catar conchas e fazer colares. Como queria fazer um colar para Lilia. Sentiu as lágrimas vindo. O mar lhe observava, com compaixão e molhava os pés do rapaz, à medida que ele se aproximava, como se o acariciasse, com pesar. Lilia olhou para Rafael, notando que dentro dele se passava algo. Seus olhos já não pareciam vazios e secos, como costumavam ser. Do canto deles saiam pequenas gotas que escorriam pelo rosto.

"Rafael, o que foi?", ela se surpreendeu com o que viu.

"Não é nada.", tentou não assustá-la. "É que a última vez que fui à praia era quando eu... Era quando eu enxergava.", ao dizer isso, mais lágrimas rolavam, teimosas.

Pelos Teus Olhos [COMPLETA]Onde histórias criam vida. Descubra agora