Lilia se permitia ser beijada por Rafael. Sempre que se relacionava com os homens, tinha prazer em saber que era desejada. Porém esse prazer que sentia ao beijar seu melhor amigo era diferente de todos os outros. Era um prazer que dava no coração. Ao sentir a boca dele beijando a sua, era como se seu coração fosse envolvido por uma manta aquecida. E teria se mantido ali, desfrutando dessas sensações únicas e poderosas, se não tivesse pensado nas consequências de tudo isso.
"Rafael...", interrompeu o beijo. "Eu não posso.", afastou-se.
"Lilia, por que está fazendo isso?", ele não entendia.
"Eu vou te dizer uma coisa que não poderei repetir nunca mais.", fez uma pausa enquanto o rapaz tentava assimilar o que estava acontecendo.
Um silêncio se formou. Apenas se podia escutar alguns carros ao longe, em uma avenida próxima de onde estavam.
"Rafael, quando a raiva de mim surgir, porque eu sei que vai, lembre-se que...", abaixou os olhos, tomando coragem para dizê-lo. "Eu te amo.", a voz saiu embargada.
Ao ouvir tal declaração, o rapaz sentiu seu coração pulsar mais forte dentro do peito. Lilia já havia dito que o amava antes, mas dessa vez parecia ser diferente. Era um "eu te amo" diferente, sustentado por uma carga emocional gigantesca, que era novidade para ambos. Ela me ama.
"E que se lembre que faço isso justamente por amor.", continuou ela, aproximando-se dele, acariciando seu rosto.
"Eu não entendo.", Rafael estava muito confuso.
"Um dia você vai.", respondeu ela.
"Então é isso? Você vai embora?"
"Vou, Rafa, mas te deixarei em casa primeiro."
Rafael foi tomado subitamente por uma indignação, misturada com tristeza. Ela está brincando com meus sentimentos. Ela não pode fazer isso.
"Se a sua intenção é ir, então já pode fazer isso agora. Não precisa me levar em casa."
"Não vou te deixar ir sozinho."
"Vá embora!", levantou a voz, assustando-a. "Você me deixou sozinho todo esse tempo. Um dia a mais não fará diferença alguma.", disse mais baixo.
"Rafael..."
"Adeus, Lilia.", tentou parecer firme em sua decisão.
Rafael não sabia onde estava. Não costumava fazer o trajeto a pé. Por isso não deu o primeiro passo para sair dali. Quis esperar ela ir primeiro.
Sua amiga se surpreendeu com a atitude dele. Não queria que ele a odiasse. Ela fazia isso por ele. Ela não tinha medo se envolver com o rapaz, tinha medo de magoá-lo. Tinha medo de tomar atitudes erradas, como as que havia tomado na vida, e isso o fizesse desacreditar no amor. Achava que ele merecia alguém normal, que não fosse tão autodestrutiva e que o fizesse feliz de verdade. Se pensasse somente nela, já teria dado-lhe outro beijo, entregando-se à relação mais intensa e verdadeira de sua vida.
Lilia sabia que amar era pensar no outro. Por isso, começou a dar os primeiros passos na direção oposta à do seu amigo. Foram os passos mais difíceis de dar. Rafael os ouviu, cada vez mais distante, até não se ouvir mais. Sabia que era o fim.
Enquanto caminhava, a mulher tentava se controlar. Tinha acabado de deixar o amor de sua vida por medo e isso não a fazia se sentir melhor. Tentava repetir para si mesma que era necessário, mas ela não se convencia disso. E então, as palavras de Susuko, a psicóloga, vieram-lhe em mente.
Você é um ser humano, Lilia. Um ser humano que merece ser amado. E te assusta saber que finalmente alguém está disposto a te amar de verdade. Alguém que pode te dar todo amor que você merece. E tem algo aí em você também, você quer dar a ele esse amor, e você tem medo de falhar. Mas você só vai saber se tentar.
Seus passos foram ficando mais lentos e difíceis de serem dados, cada vez que tentava, saíam vacilantes. Ela então parou de caminhar. E se eu tentasse?. Sentiu um grande frio na barriga. Você só vai saber se tentar.
Lilia então deu meia volta e fez o percurso oposto. Corria, tentando alcançar Rafael. Seu coração estava a mil. Pela primeira vez na vida, começou a sentir resquícios de felicidade. Assim que ela passou pelo caminho onde tinha-o deixado, viu o rapaz ainda em pé, no mesmo lugar, com uma mão secando as lágrimas. A outra apoiava na bengala. Sem esperar, ela correu em sua direção e o abraçou tão forte que parecia que iria quebrar seus ossos. Não precisava que ela dissesse quem era. Ele já sabia. Lilia não o largava. Mantinha seu rosto na clavícula dele. Rafael largou a bengala, que caiu no chão e a abraçou de volta.
"Que bom que você voltou.", ele disse.
***
Lilia abriu a porta de seu apartamento, as luzes ainda estavam apagadas. Não era necessário acendê-las. Ela segurava em uma das mãos de Rafael e o guiava para não tropeçar em nada. Roberta latiu, mas quando se deu conta de quem era, calou-se.
A mulher direcionava o rapaz pelos corredores, chegando em seu quarto. Seu amigo estava nervoso, suas mãos suavam. Ele se sentou na cama, apreensivo. Repousou a bengala no chão. Lilia se aproximou e o beijou, com muita vontade. Ele pôs os braços ao redor do corpo dela. Puxando-a para mais perto. De repente ele parou.
"Eu nunca fiz isso antes.", assumiu, envergonhado.
"Eu também não.", disse ela, confundindo-o. "Fazer amor é a primeira vez."
Ele então entendeu o que ela quis dizer. E sorriu.
Lilia foi se despindo. E Rafael queria enxergar naquele momento para vê-la. Ela o ajudou a se despir também enquanto se beijavam. O rapaz sentia sensações que nunca havia sentido antes. Estava ansioso e receoso, a princípio, por ela ser experiente. Mas, assim que seu corpo se entrelaçou ao dela, esqueceu-se disso. E eram dois corpos nus se tornando um só. Para ela, não era somente uma relação sexual que se iniciava. Era amor. O amor mais puro que poderia viver. E, pela primeira vez em sua vida, sentiu-se amada de verdade. Não pela beleza que tinha, não pelo corpo que possuía, mas por ser somente ela mesma. E isso era o ápice de sua existência.
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Pelos Teus Olhos [COMPLETA]
RomanceLilia é portadora da Síndrome de Afrodite e isso já lhe causou alguns problemas. Tentando se "tratar" de sua condição, a mulher procura uma especialista, que lhe dá uma tarefa muito importante. Decidida a cumpri-la, ela acaba conhecendo a Rafael, um...