É apenas um sonho.

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Capítulo 1.

 — Eu estou deitado de costas para uma superfície fria, acima de mim há galhos de arvores que se entrelaçam formando uma cobertura. Observo com admiração a luz pálida do luar que se filtra através dos galhos, sinto uma necessidade absurda de registrar o momento.

"Ouço passos. Uma figura masculina encapuzada se aproxima e se ajoelha ao meu lado. A noite é muito densa, não consigo me localizar. Não muito longe dali, sinto a quentura e o brilho crepitante do fogo.

"O capuz do homem é lançado para trás com o vento, e no lugar do rosto é revelado uma mascara que esconde a sua identidade. A mascara, muito semelhante às máscaras venezianas [1] antigas, é de um material delicado cujo molde parece ter sido esculpido sobre traços do rosto debaixo dela. Ela é branca e imaculada, com pequenos arabescos dourados enfeitando as bordas. Há apenas um nariz pontiagudo e lábios de porcelana, além dos dois buracos para os olhos.

"Os olhos... Como esquecer dos olhos? Eles são dourados, não de um jeito humanamente possível. Seus olhos parecem cintilar no escuro e a duas íris de ouro derretido demonstram sintonia com a fúria das chamas ao nosso redor. Gotas de chuva brilham em seu cabelo escuro e fios perfeitamente alinhados alcançam sua cintura. Ele agarra o meu pulso para checa-lo, seus movimentos são calmos e graciosos.

"Eu entro em pânico ao perceber que minhas mãos estão cobertas de sangue, não sei dizer se pertence a mim ou a outra pessoa. O homem se inclina e sussurra com a voz suave próxima ao meu ouvido: "meu general, eu estava procurando por você". Eu não consigo me mexer, estou paralisado por uma dor trucidantes nos ossos e, no entanto, as palavras despertam em mim uma espécie de alívio inexplicável.

"De repente, um grito estrangulado rompe a noite ressoando entre as árvores. Eu me viro e vejo a chama se alastrar cada vez mais, vindo de encontro a nós dois. Quero ordenar que ele vá embora, mas minha língua parece inchada dentro da boca, impedindo-me de falar qualquer coisa a não ser emitir ruídos incompreensíveis. É desesperador.

"Um flash de prata me cega, seguido por um som de metal agudo. Então eu acordo e estou paralisado na cama, com meu corpo pressionado contra o colchão por uma força maior. Consigo ouvir as sirenes na rua, o tique-taque do relógio na parede e meu próprio coração batendo loucamente..."

— Achei que a paralisia do sono tivesse passado — comentou a psiquiatra, ao notar a relutância de Yibo em continuar a ler.

— Depende do sonho — explicou Wang Yibo, confortavelmente deitado no divã de couro velho do escritório, segurando fortemente as folhas de papéis amassadas em uma mão. — É por isso que eu tenho evitado dormir.

— Entendo — comentou a mulher metodicamente, conforme fazia suas anotações na pequena agenda. — Conte-me mais sobre esses sonhos.

— A maioria são protagonizados por essa mesma pessoa — ele guardou as folhas de volta no bolso e encarou o teto de madeira desgasto fazendo uma careta estranha, conforme buscava mais detalhes nas memórias embaralhadas. — Não sei o que ele é, ou o que ele é. Ele esta sempre de mascara, e a única coisa que me ajuda a reconhecê-lo são os olhos. É bastante bizarro. Tem algum palpite do que pode ser?

— O cérebro humano é incapaz de criar rostos em sonhos. Tudo o que vemos dormindo pode ser reflexo do que já vimos acordados — disse a mulher. — Sonhos podem ter diferentes significados para cada pessoa. Para Freud os sonhos são a realização de um desejo escondido que não realizamos devido às imposições sociais.

A mão que segurava a caneta parou de escrever por um momento e ela levantou o olhar analítico para ele.

— Acredito que os sonhos são resumos ou pistas de desejos e acontecimentos. É por isso que eu peço para você escrever depois de acordar, isso pode ser útil para entendermos mais o que se passa no seu consciente e subconsciente.

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