lembranças.

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Lembranças. Na minha opinião, as lembranças são uma das coisas mais valiosas que podemos ter, apesar de haver entre elas lembranças ruins. E ah, meu bem, aí está o problema e este é o ponto deste capítulo. Quando são ruins elas se infiltram de tal maneira no nosso coração que nem o amor vai fazê-las sumir como afirmam nos livros e filmes. E então, essas lembranças tomam conta dos nossos dias e especialmente das nossas noites, que é quando passamos a encharcar o travesseiro com lágrimas amargas de dor, saudade e até mesmo culpa.
Eu me sinto frágil e quebrada na maior parte do dia, por conta de pequenas e horríveis lembranças que me atormentam antes de dormir. Eu admito ter quatro lembranças em especial que influenciaram em muito do meu caráter, no meu ponto de vista sobre as coisas e na minha vida.
A primeira delas que lembro detalhadamente é desde os meus três anos de idade. Sabemos que os acontecimentos que presenciamos durante nossa infância nos influenciam muito em todas as áreas da nossa vida, então deixe-lhe me contar uma horrível memória que me assombra. Meu pai era um homem violento que mostrava isso ao deixar um roxo no olho da minha mãe todo dia, quebrando as coisas dentro de casa quando brigava com ela e a enforcando, quase levando-a morte. Quando me diziam que isso fazia parte do amor, eu dizia que estavam errados, e que se fosse verdade, eu nunca queria ser amada.
Meu lugar de refúgio durante bom tempo foi a escola. Quando tocava o sinal para ir embora meu coração já se apertava só de saber das cenas que presenciaria novamente ao chegar em casa.
Eu era uma criança tola por pensar que era simplesmente minha mãe fazer as malas e ir embora para esse inferno parar de vez. Eu a culpava por viver assim, mas ela tinha grandes motivos para permanecer, e a vida dela e eu, eram alguns deles.
Eu não gostava do meu pai, sentia medo e raiva. Quando ele gritava meu corpo tremia e minhas calças se encharcavam de xixi, fazendo com que sempre tivesse que ir tomar banho. Quando meus pais iniciavam uma discussão eu já começava a chorar, e frequentemente me pegava gritando para meu pai parar enquanto eu entrava no meio deles e ele a acertava no rosto lançando a minha mãe na parede diante de mim, sem eu poder fazer nada, totalmente impotente. Eu via sangue, dor, lágrimas e culpa no rosto da minha mãe quando estava apanhando e dirigia seu olhar pra mim. Eu nunca consegui tirar essas cenas da minha mente, muito menos o olhar dela. Nunca.
Isso me fez ver o que NÃO era amor, e sim, um relacionamento abusivo.
Isso me deixou determinada à NUNCA permitir que um garoto levantasse a mão pra mim, ou sequer, tentasse. Nem mesmo a voz, pois se isso acontecesse, eu seria bem pior e não me responsabilizaria por meus atos.
Eu tentava reconfortar minha mãe da minha maneira, como uma criança faz: fazendo carinho, falando o quanto gostava dela e que ia ficar tudo bem.
As coisas são tão simples para as crianças, não é? A inocência delas chegam a ser linda, mas dói só de pensar que não terão essa inocência pra sempre, pois o mundo destruirá tudo de doce que há nelas em questão de segundos, arrancando sua alegria e ingenuidade, roubando qualquer resquício de esperanças e sonhos que houver ali dentro de seu coração. Não restará nada.

A minha segunda lembrança dolorosa, envolve a primeira vez de certo acontecimento e as outras inúmeras vezes que isso se repetiu. Estou falando de quando eu tinha 14 anos e fui assediada fisicamente na escola. Não foi só por uma pessoa, e esses dois garotos eram colegas que eu estava desenvolvendo confiança e carinho. Se aproveitaram da minha confiança e ultrapassaram todos os limites existentes. O pior ainda, foi minha ex melhor amiga ter ficado do lado deles e ter me culpado pelo o que aconteceu, finalizando da pior forma ao dizer que era "algo normal". Mas eu sabia que não deveria aceitar aquilo, não deveria aceitar que me tocassem sem consentimento. Me sentia suja e culpada também. Mas quando estava me recuperando do acontecimento, me sentindo menos culpada, um balde de água fria caiu sobre mim ao ser assediada na nova escola. Eu havia encarado a mudança de escola como um recomeço, mas não foi. A minha tola esperança de que as coisas poderiam ser diferentes foi destruída facilmente. O assédio continuou mesmo eu mudando de escola e de período, o que mudou foi de quem vinha o assédio. Foi tão doloroso ver que garotas encaravam o assédio como elogio ou algo banal e normal. Me culparam muito por todos os assédios, mas eu não aceitava mais ser culpada por atos cruéis e repugnantes de outras pessoas. Eu tinha feito outra amizade, uma garota que havia se tornado minha melhor amiga naquela escola. Eu esperava apoio ou pelo menos um abraço, mas ela só riu da situação como se o assédio fosse algo muito engraçado ou uma mera bobagem. Hoje ela não é mais minha melhor amiga também. Devo admitir que nunca tive sorte com amizades, mas esse não é o ponto agora.
O assédio foi cruel e destruiu cada pedacinho de mim. Quando eu juntava e colava os caquinhos, tudo se repetia e me quebrava de uma maneira pior ainda que eu não acreditava ser possível. Antes eu tinha medo do assediador e nojo de mim, mas na verdade, o único que merecia meu sentimento de nojo era o assediador. O medo eu deixei de sentir, mas o meu estômago ainda embrulha com a possibilidade de passar novamente por uma situação como essa.

A terceira e decepcionante situação foi eu acreditar cegamente que nunca teria o coração quebrado por pessoas que amava, quando, na verdade, foram elas que me quebraram de inúmeras e das piores formas possíveis que não sei se conseguiria fazer com que isso coubesse neste capítulo.

A quarta lembrança dolorosa, que se marcou permanentemente em minha pele foi o abuso. É difícil descrever o que senti na hora, é difícil descrever como tudo foi sugado de mim durante aqueles eternos minutos, é difícil descrever como passei a me sentir sem vida desde então. Passei a viver no automático e não derrubei uma lágrima, apenas fiquei sem emoções por um certo período de tempo, incapaz de acreditar no que havia acontecido. Passei vários dias me esfregando com força no banho como se estivesse imunda até minha pele ficar vermelha, pois era exatamente assim que eu me sentia. Passei a me olhar no espelho e chorar, perguntando como isso poderia ter acontecido e o que eu fizera de errado. Perdi 5kg por não conseguir comer, enquanto minha mãe não sabia qual era o problema e pensava que eu estava deixando de comer por alguma bobagem que alguém falou pra mim, pois sou assim, sensível demais. Guardei pra mim toda a dor, enquanto desejava não abrir os olhos no outro dia pela manhã. Passei a andar sem rumo pelas ruas, sem medo de que algo acontecesse novamente comigo, pois estava me sentindo completamente sem vida que acreditava que nem ligaria se isso ocorresse novamente. Às vezes sentia medo, angústia e tinha uma crise de ansiedade ao passar por um grupo de garotos que me seguiam com os olhos, e claro, com a possibilidade de topar com meu abusador por aí.
Com o tempo, a minha memória bloqueou o acontecimento e eu gostaria de dizer que isso é bom, mas é ruim. É ruim pois não consigo me lembrar com exatidão de tudo e tenho medo de que eu esteja deixando algo importante passar ao contar pra minha psicoterapeuta apenas os flashbacks que tenho e os pesadelos referente ao abuso que venho tendo todos os dias depois de tanto tempo do acontecimento.
Me lembro do momento que me tocou sem permissão, que me beijou sem permissão, que eu disse não, e lembro de pessoas passarem por ali e presenciarem a cena enquanto ignoravam-na mesmo com meus olhos pedindo desesperadamente socorro, incapaz de falar com os lábios ou de mexer meus braços e pernas para fugir dali.

Não vou me demorar neste assunto, portanto, vamos para a última - por enquanto - dolorosa lembrança .

A morte.

A quinta lembrança é a dolorosa morte de alguém muito querido para mim, que ocorreu no dia 1 de setembro de 2020. Você consegue saber mais detalhes sobre este terrivelmente doloroso dia no capítulo intitulado como "Morte".

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