Capítulo III. Afrodite Genetullis.

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A sardela começava a decantar; o azeite na superfície, pimentão e fiapos do extrato de tomate na base. Peter tomou uma pequena espátula em mãos e partiu para o entretenimento de mexer o molho, aflito com aquele silêncio sepulcral que se instalou na cozinha. Antony acompanhou o movimento do garoto, um pouco impressionado no modo como ele ignorava a atual situação. Não sabendo ao certo como prosseguir, Tony retira do ombro uma toalha que usara para secar-se e parte para trás do jovem, que se joga no encosto da cadeira.

─ Você não precisa fazer isso. ─ comentou, ainda mexendo tediosamente a sardela pastosa. Tony cobriu seus cabelos ensopados, apertando-os contra a toalha, sentindo esta umedecer a palma de suas mãos conforme a pressão.

─ Não quero ter que cuidar de criança doente. ─ retrucou o mais velho, um pouco impaciente com o tom aborrecente do sujeito sentado a sua frente. Peter crispa os lábios, inquieto, soltando um "tsc" bem baixinho e cruzando os braços.

─ Justamente. Você só poderia me denunciar pra Scotland Yard¹.─ Peter mau pensa nas palavras que estava proferindo, pois parecia enclausurado. Era um misto horrível de vergonha, o gosto claro humilhação. Antony, ao ouvir aquelas palavras, vai parando aos poucos de secar a juba do loiro, mastigando e deglutindo internamente aquilo. Com o ato de distração, a toalha escorrega de suas mãos, e agora tinha os dedos em contato direto com seus cabelos. Num instante, sua cabeça volta para uma hora antes, onde se agarrava ardentemente com o garoto à sua frente. Deixou que seus dedos traçassem caminhos pela raiz, subindo desde a nuca até a franja, puxando para trás. Neste movimento, juntou as duas mãos pelas laterais fazendo a cabeça de Peter tombar para trás, olho no olho dando de encontro.

─ É, mas eu não o fiz. Além do mais, a Scotland Yard tem muito mais o que fazer do que cuidar de aspirantes a Jean Valjean². ─ havia um "quê" de segundas intenções em suas palavras. Peter, sem muitas dificuldades, capturará aquilo, estreitando os olhos finos e formulando um sorriso tão malicioso quanto. ─ Mas não me subestime. Ladrãozinho ─ adverte, Tony, puxando sem dó uma mecha de seu cabelo para trás, o que faz o jovem o xingar mentalmente.

─ O que você quer de mim então? ─ questionou, Peter, acariciando a nuca recém machucada.

─ Podemos ver isso depois. ─ Tony se desvencilhou do mais novo, buscando um espelho que guardava na gaveta da cozinha e averiguando o estado sangrento do seu nariz. Apesar dos bíceps salientes, a força do garoto não se equiparava ao seu tamanho. Doía feito o inferno. ─ Você poderia começar contando o motivo da burrice que vimos agora pouco. ─ a língua afiada do homem não ajudava em nada no humor do garoto, que agora já fazia daquela cadeira a sua casa, pois sabia que aquilo iria render.

─ Preciso de dinheiro.

─ E o que levou a sua cabecinha a achar que eu tenho algum? ─ investiu o mais velho, levando o torso do corpo mais para frente da mesa. Mesmo longe, Peter recuou, mas instantaneamente estreitou os olhos como se avançasse de volta.

─ E toda aquela prataria é o que? Lixo? ─ e abre os braços, petulante e birrento.

─ Para mim, sim. Mas de toda forma, aquilo não era meu. E nem seu. ─ dá de ombros, com total descaso.

─ E faz diferença de quem é? ─ bufou um bufo cheio de impaciência e com tremeliques de nervosismo. Desde quando se sentia oprimido por um homem?

─ Se a senhora Hudson soubesse disso... ─ disse Tony, voltando os olhos ao espelho e enxugando com um algodão algumas gotículas de sangue que insistiam em voltar. ─ Ela iria te fazer de gato e sapato. ─ riu-se com o próprio pensamento, contendo uma saudade formiguenta no peito. ─ Para quê você precisa de dinheiro?

Pseudo AfroditeOnde histórias criam vida. Descubra agora