Capítulo 1

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Durante a maior parte minha existência ouvi de uma sábia e amorosa senhora, conhecedora da medicina ancestral que somos o divino poder da criação manifestado pela Terra, que a vida é um grande e sensato presente do Universo, e que em seus caminhos tortos, desajustados e cíclicos encontraríamos todas as pessoas, lugares, sentimentos bons e ruins, mas tudo que fosse passar serviria como ensinamento, crescimento e evolução do seu próprio ser ou de um mundo melhor para se viver. Só assim entenderíamos a plenitude do que é estar presente.

Mesmo quando era mais jovem e não entendia muito bem todos seus pensamentos e reflexões, em nenhum momento eu duvidava do ela que dizia, pelo contrário, mesmo sem ter completado seus estudos em uma escola convencional eu a considerava inteligente e dona de toda verdade.

Minha doce e valente avó, uma mulher que sempre tomei como exemplo de vida. Uma batalhadora, que viveu uma infância extremamente difícil, perdeu seu marido depois de apenas oito anos de casamento e com toda vida que tinha se reinventou e conseguiu brilhantemente criar seus quatro filhos sozinha. Depois, se dedicou a sua filosofia sagrada, em um cantinho na mata que carinhosamente chamava de Casa Filhas da Lua. Ali, pôde praticar toda a empatia que esperava dos outros quando mais precisou e não recebeu, ali cuidou e orientou diversas mulheres que necessitavam de um profundo olhar para dentro de si mesmas, ali acolheu tantas mães solo, ali onde nasceu, morreu e renasceu tantas vezes. Ali, onde ela me ensinou que eu poderia ser o que eu quisesse ser. Ali, onde eu descobri que enquanto mulher poderia ser tantas outras, poderia ser filha, mãe, menina, anciã, bruxa em uma só....em mim mesma.

Aposto que se fizesse uma simples pesquisa e perguntasse pra cada pessoa que teve a chance e o privilégio de conhecer a mama Sarah uma palavra que representasse sua experiência com ela, tenho certeza de que as palavras liberdade e confiança estariam no topo do ranking. Isso porque era uma pessoa de coração aberto, sem amarras e que não se importava com padrões impostos por uma sociedade hipócrita, por isso, poderia contar com ela a todo momento sobre qualquer coisa, sem medo e sem nenhuma vergonha, porque não estava sujeito a julgamentos moralistas. Porque seguia, aprendia, amava e desfrutava da vida e de suas infinitas possibilidades e desejava que todos os seres tivessem o mesmo prazer.

Não havia um dia sequer que eu não lembrasse dela ou sentia sua forte presença. As vezes era estranho, as vezes reconfortante, outras como se ela quisesse me dizer alguma coisa importante, mas ao mesmo tempo tão complexa, que mesmo que eu me concentrasse e fechasse os olhos, era impossível compreender. E as vezes como hoje, me sentia pequena, fraca e ingrata, como se todas as conversas e tempo que ela tinha dedicado a mim tivesse sido em vão.

- O que acontece é que existem padrões e se a gente for fazer uma busca rápida na internet ou em um dicionário, uma das definições da palavra padrão que se vai encontrar será "é uma base de comparação consagrado como modelo, ou seja, um modelo a ser seguido" - disse a psicóloga começando a discussão do programa de hoje – Então, de um lado nós temos o padrão estético que me diz que para eu ser considerada bonita eu devo ser magra, alta, com a cintura fina, alguns músculos até tudo bem, mas sem exageros. Sem manchas, sem espinhas, sem estrias ou celulites. No outro lado, há o padrão da feminilidade, esse que por sua vez, diz que mulheres devem e gostam de usar maquiagem, roupas apenas da seção feminina. Esperam que tenhamos um comportamento sempre gentil e amável com as pessoas mesmo se essas estiverem nos incomodando, que saibamos cozinhar, lavar, passar, que nascemos para ser mães, falar palavrão? Por Deus, claro que não.

- E como isso se tornou o "normal" muitas vezes a gente aceita e repete esses padrões sem ao menos perceber, não é? - perguntou Ana, outra convidada.

- É sim, até porque alguns são sutis, outras aprendemos durante a infância. E, na verdade muitas vezes temos a necessidade de sermos aceitas em um determinado lugar ou grupo, então a gente se molda dentro desses padrões. E aí está o problema, porque nosso objetivo vai ser alcançar uma perfeição que não existe.

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