Capítulo 2

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Minha cabeça não parava de latejar, o estresse de ter que lidar com papéis, pessoas sem o mínimo de noção e inúmeras ligações provavelmente ajudaram a tonificar a minha enxaqueca, mas de tudo que tinha feito nas últimas horas, com toda certeza a mais difícil foi contar para minha pequena que o pai estava morto. Isabella nunca havia passado por esse processo, de ser próxima de uma pessoa, ter algum tipo de ligação emocional com ela e de repente, adeus. Nem mesmo com um animal de estimação.

Lembro-me de um dia em que a busquei na creche e ao entrar no carro já animada para me contar com detalhes como havia sido seu dia, ela sacou um papel de sua pasta e disse: "a professora mandou desenhar a coisa mais importante que a gente tem na vida, aí o Juan desenhou as cartas do Naruto que ele coleciona, mas eu preferi desenhar a minha família, vê se ficou bonito". Entre formas geométricas, linhas e alguns rabiscos coloridos de giz de cera estávamos eu, ela e Hector, e foi exatamente naquele momento em que me dei conta do que eu realmente era, a mãe dela. No entanto, não consigo me recordar de quando esse sentimento nasceu dentro de mim, porque antes desse acontecimento ela já era tudo para mim, a minha maior alegria, o meu ponto de paz. Tentava protegê-la da maldade do mundo, de algumas frustrações e das brigas que aconteciam dentro de casa, pois tudo que eu desejava era que ela tivesse a infância mais feliz possível, logicamente não me preocupei em ter uma conversa sobre a vida e a morte.

E agora não tinha outra opção, não tinha outra pessoa que deveria contar isso a ela e ainda que eu não tivesse condições, tive que fazê-lo. Pensei, pensei e pensei muito, mais do que achei que fosse capaz naquele instante. Pensei nas palavras que seriam mais corretas, tentei escrever o deveria dizer, mas nada adiantou.

[...]

- O que significa morto, mamãe?

- Significa que....Me dá a sua mão – ela me obedeceu e a coloquei do lado esquerdo do meu peito – Consegue sentir as batidas? – com a cabeça ela só acenou positivamente – Agora coloca o seu ouvido no mesmo lugar, está ouvindo o tum-tum?

- Sim.

- O coração do seu pai já não faz mais isso e quando o coração para todo o resto do corpo deixa de funcionar também.

- Foi o que aconteceu com a mamãe do quadro que fica no meu quarto?

- Foi.

- E vai acontecer com você também?

- Um dia, mas só daqui muitos anos, quando eu for uma velhinha chata e cheia de cabelos brancos.

- E o que acontece depois que uma pessoa morre?

- É realizado uma cerimônia de despedida para que os familiares e os amigos da pessoa que morreu possam dizer adeus, pois não irão vê-la de novo, a não ser por fotos e lembranças.

- E a alma?

- Alma?

- O que tem dentro das pessoas, mamãe.

- Não sei ao certo, meu amor, mas dizem que viram estrelinhas e sempre cuidam das pessoas que continuam vivas.

[...]

O funeral contra a minha vontade foi aberto ao público e à imprensa e a cada minuto que virava mais e mais pessoas chegavam, passavam por mim, tentavam com um olhar genuíno dizer que sentiam muito pela minha perda e tudo que eu queria é que todos aqueles cânticos, orações e homenagens chegassem ao fim.

- ....e ele me ajudou a superar esses obstáculos no começo da minha carreira, me deu a oportunidade que todos os outros me negaram, poque era isso que ele era. Um bom amigo, um bom conselheiro e tenho certeza, que um bom pai e marido. Hector, obrigado por ter sido esse grande parceiro. Descanse em paz!

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