O assobio alto e harmonioso que soprava dos lábios de Elton uma canção antiga, era a parte mais divertida do dia da pequena Seis. Enquanto esperava o teste do dia, ela observava o negro alto de mais de trinta anos, passar com urgência de um lado para o outro da pequena sala completamente branca e limpa.O ambiente possuía apenas instrumentos hospitalares sobre a mesa de metal, no canto da parede oposta a porta. Uma pequena cadeira que era usada por Seis e seus semelhantes, ficava posicionada no centro do cômodo, e outra maior servia para Elton ou qualquer outro que fosse trabalhar ali no momento, bem a frente da mesma.
A menina loira torcia silenciosamente, para que Elton demorasse pelo menos dez minutos a mais do que o normal para terminar o teste. Fazia semanas que não tinha experimentos com ele, era sempre algum velho rabugento que não respondia suas perguntas e lhe fazia chorar.
Chorar era algo estranho para a garota de dez anos. Quando chorava, não sabia ao certo porque precisava fazê-lo, não fazia sentido sentir-se triste e por isso derramar lágrimas, não iria resolver a chateação que estava sentindo. Chorar se transformou para a criança, sinônimo de se conformar com a tristeza.
Elton não a fazia querer chorar, ele a dava vontade de conhecer o mundo real, de ter um cachorro como o que ele contou que teve um dia. Ela gostava de receber respostas, e Elton as entregava quase sempre sem hesitação alguma. Em sua última conversa Seis ficara sem resposta, a pergunta lhe acompanhou por dias a fio... família! A palavra que Elton havia deixado escapar, quando falava do animal que fora adotado e havia conseguido uma família...
- O que é família?- a voz fina e doce fez o cientista hesitar.
- É um... um conjunto. Um conjunto de pessoas que se apoiam, basicamente.- sentou na cadeira maior ao lado da mesa metálica e se preparou para começar.
- Então, o Pluto está bem...- a voz soou pensativa e inocente quando se referiu ao cachorro.- Como eu faço para ter esse conjunto, Elton?
- Bom... lá fora, todos tem família, sabe Seis? Um pai e uma mãe... bichinhos, tudo isso.- Sorriu nostálgico e uma ruga apareceu no canto dos seus olhos.
- Pai? Mãe? Ah sim!- Disse se lembrando de ter escutado essas palavras mas não sabia ao certo quando ou onde.- Acho que sei o que é isso... Então, se eu for para o mundo real, eu vou ter uma família.- observou o som da palavra brincar em sua boca estranhando-a.
- Sim, todas as crianças tem uma família e são felizes lá, Seis.- alcançou o bisturi enquanto falava.
- Felizes...? Isso... é interessante. Elton, o que vai fazer comigo hoje? Vou sofrer?- a voz continuou doce.
- Será rápido. Se quiser pode fechar os olhos, não vamos usar eles hoje.- tomou a mão da criança, fitando os pequenos dedos tentando escolher o primeiro.
- Ah, entendi. Sem usar os olhos por hoje, sem sofrimento. Apenas dor...- fechou suavemente os olhos, enquanto sentia o bisturi rasgar todo o comprimento de seu dedo indicador. Entre as pausas que Elton fazia para anotar o histórico de regeneração da menina, ela pensava em como seria ter uma família.
- Elton...- Depois de um tempo quando já havia finalizado o teste, os olhos de Seis ainda piscavam rapidamente, enquanto sentia seus dedos se regenerarem na mesma velocidade, mesmo com a dor não deixava de pensar em mais perguntas.
- O que foi?- pendurava o jaleco sujo de sangue nas parte de trás da cadeira, evitando que sujasse sua camisa branca.
- Um dia nós vamos poder sair?
- Temo que não, pequena Seis. Eles não querem que vocês tenham famílias!- enrijeceu a boca.
- Eu odeio eles.- disse com a voz ainda baixa, mas com uma fúria controlada que foi percebida por Elton.
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Não Olhe Em Seus Olhos
Science FictionSeis crianças que vivem como cobaias por causa de suas capacidades sobre humanas, vêem suas perspectivas mudarem absurdamente quando uma delas é induzida a se rebelar. Dez anos se passam após as crianças serem separadas. Suas vidas tomam rumos compl...