Capítulo 3

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Está determinada a fugir de mim?

Acordo sobressaltada ao sentir um braço pesado em torno da minha cintura. Debato-me, pensando no rapaz desconhecido do meu sonho. Porém, pouco a pouco, as lembranças da noite anterior se tornam mais vívidas na minha mente: Gustavo. Suspiro devagar, me sentindo a pessoa mais suja do mundo. Levanto, lentamente, tentando não fazer barulho, ouvindo-o reclamar que ainda é cedo.

— Eu vou trabalhar, Gustavo, você precisa levantar e sair. — Tento parecer categórica. Penso que é tarde para me arrepender e não sei se conseguiria me olhar no espelho.

— Trabalhar? — Ele senta-se atordoado enquanto esfrega os olhos com as mãos. Tento não olhar para o seu peitoral nu. — Vai trabalhar em quê? Não estava desempregada?

— Começo hoje! — falo o mais seca, possível, e encaminho-me para o banheiro. Ele precisa sentir um pouco do próprio veneno, entender que, mesmo que tenhamos transado, não temos nada.

Abro o chuveiro e, enquanto lavo os meus cabelos e corpo, divago o quanto ele deve achar que sou burra. Por que ceder de novo? Por que, sabendo do quanto ele se torna babaca depois? Solto uma lufada de ar enquanto visto um roupão felpudo, após sair do chuveiro, notando-o parado no batente da porta com uma carranca no rosto.

Deus! Por que ele precisa ser tão lindo e idiota?

— Como assim? Vai trabalhar aonde? Já disse que você não precisa disso! Eu te sustento, ganho bem para isso! — fala irritado, e encaro-o incrédula.

— Como assim, pergunto eu. Você quer o quê? Voltar como se nada tivesse acontecido? Nós terminamos, Gustavo! Ou melhor, você terminou comigo! — Tento não chorar, mas meus olhos embaçam.

Ele continua me fitando.

— Terminamos, mas ontem você bem que gostou, não? — Bufo. — Eu sei que você tá puta comigo, Duda, mas esses trabalhos... — faz aspas com os dedos — são os que me sustentam, me dão lucro e poderiam te sustentar também, caso quisesse. — Dá de ombros.

— Você é louco se pensa que vou te aceitar de volta e dessa forma. — Começo a secar os cabelos com a ajuda do secador e tomo coragem para me olhar no espelho. Percebo as duas bolas escuras em volta dos meus olhos, indicando o excesso de olheiras, e resolvo passar um pouco de base e rímel. Deslizo um batom claro em meus lábios para maquiar a palidez.

— Para que essa porra? — ele aumenta o tom de voz, o que me deixa assustada. — Vai trabalhar num bordel?

Pisco os olhos, perplexa, mas não digo nada.

— Não sabia que para trabalhar limpando chão, precisava de tanta maquiagem. — Ele tira a cueca e entra no box. Continuo encarando-o, perplexa, através do reflexo do espelho. Só gostaria de saber por que os homens agem dessa forma e falam como se fôssemos objetos?

— Não vou trabalhar como doméstica — falo tristemente, porque, na mente dele, parece que só consigo fazer isso na vida.

Ele me observa conforme ensaboa o próprio corpo. Seu rosto é um misto de autoridade e curiosidade e, quando percebe que não mudarei de opinião em relação à maquiagem, bufa. Se fosse noutra época, eu com certeza retiraria todo o conteúdo do rosto para não o chatear, mas hoje não farei isso. Não somos nada e, sinceramente, mesmo que fôssemos, acho que não mudaria de opinião.

Após o banho, ele caminha emburrado para fora do quarto, enquanto termino de me arrumar. Escovo os cabelos com certa dificuldade, já que estão quase passando das nádegas, e caminho até a cozinha. O aroma do café impregna o ambiente, e assisto-o servir duas xícaras. Pego uma delas, conforme continua:

— Então, vai trabalhar aonde, Duda? Não acha que tá arrumada demais? — Assisto seus olhos descerem pela blusa branca social e a saia lápis que escolhi para o meu primeiro dia.

— Demais? — encaro-o enquanto puxo o ar devagar. — É isso que te incomoda? Me ver trabalhando em algo novo e que não seja limpando casa?

Sinto a cabeça latejar ao ver a respiração dele se desregular. É a primeira vez que o contrario e não tenho certeza se foi uma sábia decisão.

— Vou perguntar somente uma vez, Duda. — faz uma pausa. — No que vai trabalhar? — Cada palavra sai devagar. Ele aproxima-se com olhos raivosos. A coragem recém-adquirida por mim torna-se nula quando vejo-o tomar a caneca de minhas mãos trêmulas, colocando-a em cima da mesa, à medida que reivindica a minha cintura.

— V-vou tra-trabalhar n-na mi-minha área, numa empresa de advocacia no centro do R-Rio.

— Você sabe que é minha, não sabe? — Ele ataca os meus lábios, de forma brusca, e não tenho tempo de desvencilhar. Sinto seus dedos se afundarem na minha pele e não consigo formular uma frase sequer; as palavras parecem entaladas na garganta. Queria expulsá-lo, mas não consigo.

Sinto as lágrimas apontarem nos olhos e ele parece notar, porque seu semblante muda drasticamente, e seu sorriso, antes malicioso, torna-se complacente.

— O que foi, linda? — Desliza seus dedos suavemente pelo meu rosto, enxugando cada gota que teima em cair pelas minhas bochechas. — Eu estou de volta, meu bem, tudo será como antes.

— Gustavo, eu preciso mesmo ir. — falo, pausadamente, sentindo uma sensação desconfortável no peito.

— Eu sei. Só não esqueça... — Ele me rouba mais um beijo estalado. — Você é minha! — Pega uma maçã da fruteira e sai do meu apartamento como se fosse o próprio dono.

Assim que vejo-o sair, respiro com mais tranquilidade. Sinto desconforto com a situação e devido à mania que ele tem de aparecer e desaparecer da minha vida quando bem entende. Estou acuada, perdida como há muito não me sentia e, principalmente, sentindo-me coadjuvante em minha própria história. Minha vida não pertence mais a mim, pertence ao algoz que continua assombrando-a e tornando todas as minhas certezas em incertezas.

Um bebê para Andrew - Duologia Amores Intensos Livro 2 (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora