DESEJO SECRETO

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DESEJO SECRETO

Rafaela

Quando você nasce no tráfico, significa que você nunca vai ter escolha própria. De alguma forma e em algum momento, o sangue do crime vai tomar as decisões por você. E gostando ou não, precisei aceitar que a minha vida funcionava dessa maneira.

Escolher o meu filho foi a melhor de todas as decisões e eu nunca me arrependi de tudo o que precisei abrir mão. Gabriel não foi concebido no melhor dos cenários. Ele era fruto de uma traição de um cara que conheci em uma rave, eu era só uma adolescente, ele cresceria cercado pelo tráfico e meu irmão não tolerava a ideia de ter uma irmã que seria mãe solteira na adolescência. Na verdade, Vitor não tolerava nenhum erro, nada que fugisse do seu código de conduta.

Eu não odiava o meu irmão e não fugi grávida para contrariá-lo ou qualquer coisa do tipo. Vitor nunca entenderia as minhas decisões, como nunca fez questão de entender nada que se passava com outras pessoas. Ele simplesmente fechava os olhos, ignorava e encontrava algum jeito de que no final as coisas fossem do seu modo. E naquele momento, me convencer a fazer um aborto era tudo o que ele mais queria.

Sempre defendi o aborto, porque para muitas mulheres ele é a única saída. Mas não para mim. Ainda que tivesse condições de fazer um aborto de qualidade, não valia a pena passar por algo tão doloroso e traumático. Era o meu corpo, meu filho e a decisão cabia somente a mim.

Nathan e C4 foram o meu alicerce durante toda a gravidez e têm sido até hoje. Luelen e Tati só me conheceram depois que Gabriel nasceu, mas elas não sabiam a verdade. Eu era a garota órfã que engravidou bêbada em uma festa e não fazia a menor ideia de quem era o pai. Elas não me julgaram, pelo contrário, fui acolhida e as tornei a minha família. Toda a minha gratidão eu devia a Nathan, Cristiano, Luelen e Tatiane.

Eu me tornei mãe e mulher aos 17 anos. Daquele momento em diante, tudo mudou e as responsabilidades só aumentaram. Um ser humano dependia de mim e ainda que tivesse o apoio de algumas pessoas, não deixava de ser difícil. Ser mãe solteira não é para qualquer uma, por isso não devemos julgar mulheres que escolhem não ter filhos. A maternidade não é um conto de fadas com final feliz e não deve ser romantizada. Você chora sozinha, sofre sozinha e vê o seu filho queimando de febre e sem saber o que fazer sozinha. Mas você aprende, e muito. Ser mãe tão nova mudou totalmente a minha maneira de enxergar o mundo e as pessoas, me fez amadurecer — e entenda que amadurecer precocemente também não deve ser romantizado. Hoje eu me pergunto qual seria o meu destino se não tivesse engravidado ou se tivesse optado pelo aborto. Com certeza não teria me tornado metade da mulher que sou hoje, nem teria sofrido tudo o que sofri, nem teria sentido a melhor das sensações que é ser mãe, mesmo com todas as adversidades.

Hoje eu tenho 20 anos e posso dizer que não sou parecida em nada com as mulheres da minha idade. Não tenho tempo para jogos de sedução e nem romances profundos, a minha vida era cem por cento dedicada ao meu filho. Os momentos de lazer e diversão eram raros. Ou eu estava cuidando da casa, ou do Gabriel ou estava trabalhando. E fisicamente, bem... é frustrante. Depois que você passa por uma gestação, o que antes não te preocupava, passa a preocupar. E mesmo me esforçando, tendo alimentação saudável e uma rotina de exercícios, meu corpo não era o mesmo. Estrias herdadas pela gravidez, seios um tanto quanto flácidos e caídos pela amamentação e a cicatriz de uma cesárea complicada.

Essa era mais uma noite que precisava deixar o meu filho com Andressa, a baba de Gabriel desde que ele nasceu, para poder trabalhar. Meu coração se partia a cada vez que precisava deixa-lo, que precisava abrir mão de momentos tão preciosos. Mas era necessário.

Por muito tempo aceitei que Nathan me sustentasse, pelo menos até Gabriel completar um ano. Depois disso, eu neguei sua ajuda porque sentia que o sugava. E mais uma vez o tráfico fez as escolhas por mim. Em busca de independência financeira, eu descobri que não poderia trabalhar no asfalto, como uma pessoa qualquer. Cristiano viu meu esforço e a dificuldade de conseguir um trabalho digno, me dando então a função de segurança particular da sua filha e sobrinha. Enfrentei um treinamento rígido para poder assegurar as herdeiras. E lá estava eu, o tempo todo ao lado das duas. Quem olhava de fora nem desconfiava que eu estava ali para protegê-las, pois passávamos a imagem de que éramos um trio de amigas. Na verdade, nós éramos mesmo, e isso facilitava o meu trabalho.

Surpresas do Destino - Série Sangue do Tráfico | Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora