Capítulo I - Problemas

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A vontade de conhecer o mundo já não era tão intensa quanto fora há quinze anos, enquanto lembranças de casa tornavam-se a cada dia mais insistentes e gastas.

McLaggen coçou a barba rubra, um gesto que reproduzia desde jovem por influência de um hábito paterno e, mais uma vez, fora surpreendido por lembranças da família que há bastante tempo não via.

Filho de influentes comerciantes em Edimburgo, não possuía responsabilidades ou deveres que o fariam indispensável na Escócia, também não sendo o dinheiro uma questão que o limitasse em suas vontades. Fora por esta razão que, ainda muito jovem, dissera ao pai que gostaria de conhecer o mundo além dos campos gélidos das terras altas, e que pretendia fazê-lo navegando, pelo tempo que considerasse suficiente. McLaggen sequer era o filho mais velho, e as responsabilidades do uísque, uma vez que a destilaria era o ramo do negócio familiar, já encontravam-se devidamente encaminhadas às mãos do primogênito. Sendo assim, não havia demorado muito para que logo embarcasse em seu primeiro navio como marujo, levando junto de seus pertences aquilo que lhe era necessário para registrar tudo o que conheceria: algumas folhas de papel em branco e carvão. Sempre que alguma coisa prendia seus olhos, o escocês tinha por hábito registrá-la em seus traços. Isto, em realidade, até cerca de pouco mais de um ano, quando sua inspiração repentinamente o deixara, junto da proximidade de certa dama de cabelos pálidos.

Estando próximo da amurada do navio, sentindo o vento salgado acariciar-lhe a face com suavidade digna da mais devotas das amantes, McLaggen dera um breve suspiro.

Já fazia algum tempo que seus pensamentos não o levavam até ela, mas era impossível deixar de notar que as lembranças de Margot, a primeira mulher que amara, possuíam efeitos singulares e vergonhosamente nostálgicos em si. Não deveria nutrir aquele tipo de falta por uma mulher que não era sua e, acima de tudo, por ela, que sabia pertencer e ser feliz junto de outro.

— Devo levá-la comida, senhor? — Com seu timbre de voz confuso, algo típico aos quinze anos, Peter questionou, aproximando-se do escocês.

Erguendo as sobrancelhas grossas e ruivas, em uma expressão bastante comum e caricata, Ian observou ao pajem, mais baixo em estatura.

— O que acha que deve ser feito? — Ergueu o queixo, levando as mãos a cruzarem-se, acima do kilt xadrez.

Sabia que a postura o fazia ficar ainda mais imponente (se é que fosse possível) e havia um certo humor sádico em ver a maneira como o rapaz sempre ficava temeroso ao respondê-lo.

— Bem, eu... — Olhando para baixo, Peter vacilou.

Ian segurou o riso, mordendo o canto da boca, divertindo-se demais em imaginar a confusão mental do pobre ao procurar as palavras com as quais almejava agradá-lo.

— Você...?

O jovem pajem se empertigou de repente, engrossando a voz o máximo possível para finalmente compartilhar sua posição.

— Penso que trata-se de uma criminosa, senhor, e que deveria pagar como tal. — Balançou a cabeça com altivez.

— Deixaria-na com fome, então?

— Por honra ao nosso reino? Sim!

— E o faria para ensiná-la uma lição?

— Assim como acredito que deva ser feito à todos aqueles que infringem a lei.

A última fala do rapaz, dita com intensidade, fizera uma necessidade ainda mais maldosa ser sentida por Ian.

— Diga-me, Peter, já ouviu histórias sobre como cheguei aqui? — Bateu as botas no casco, fazendo o corpo do jovem estremecer.

Mar Aberto - Entre Corsários e Piratas. [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora