Capítulo VI - Lealdade

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Quando Ian retornou à cabine, após finalmente conseguir desviar o curso do navio da tempestade vindoura, já era noite.

Apesar de não estar com sono, e de assumir que o estômago logo lhe cobraria pela refeição não realizada, Morgana preferiu fingir que dormia ao escutá-lo aproximar-se. O fato era que a moça sentia-se confusa pelo diálogo que haviam estabelecido antes da retirada do escocês, e ainda não compreendia a razão de ter sentido a necessidade de compartilhar com ele informações sobre si e a própria vida. Além disso, também havia sido notável o quão diferente fora a atmosfera que permeava o diálogo, como se já não estivessem rodeados apenas pelo rotineiro clima mordaz.

Além de ter responsabilizado-se por levar-lhe a refeição daquela tarde, McLaggen também havia apresentado-se com uma gentileza à ela, oferecendo-lhe uma colher, demonstrando um modo curioso de zelar pelo seu mínimo conforto, como fizera dias atrás, com o colchão. E muito além disso, também demonstrava compadecer-se consigo perante sua infeliz experiência relatada.

Tudo isto a deixava extremamente confusa.

Morgana sabia que não poderia ser inocente a ponto de acreditar piamente nos gestos do escocês, pois este seguia sendo seu algoz e deveria possuir interesses ao fazê-los, mas também não conseguia imaginar o que ele poderia estar buscando ao atuar tais atitudes.

Afinal de contas, o quê McLaggen poderia desejar de si?

Virando-se para a parede, a jovem simulou um respiração levemente audível, atribuindo veracidade ao sono quando, finalmente, ouvi-lo entrar.

Ian irrompeu ao interior da cabine com os mesmos passos firmes de sempre, mas fora surpreendido ao notar que sua companheira de quarto dormia. Naturalmente, suavizou o caminhar e a intensidade de possíveis ruídos, sem sequer notar que o fazia.

Retirando o cinturão no qual carregava alguns de seus pertences, depositou-o com cuidado sobre a mesa, sentando-se na cama, em seguida. Um suspiro longo seguiu o gesto, e apenas estão McLaggen notou o quanto a agitação daquele dia o deixara exausto. Não demorou muito para compreender que, naquela noite, tudo o que mais desejava era poder desfrutar do privilégio de um longo banho. Entretanto, mesmo nas embarcações que navegavam sob a proteção real, o acesso à água era um luxo, e sua utilização era feita de acordo com regras, muito longe de ser este um recurso ilimitado. Logo, os banhos não eram realizados com a mesma frequência que em terra, e uma tina com água suficiente para sentar-se era o mais próximo que apenas os tripulantes dos mais alto escalão tinham direito, apenas algumas vezes no mês.

Bastante certo de que seria uma noite digna de aproveitar-se de tal regalia, Ian começou a tirar as próprias botas, quando teve a face voltada para Morgana.

Maldição.

Apenas então caíra sobre si a ideia de que não poderia tomar seu "banho" ali, como geralmente o fazia. Um suspiro alto e desgostoso fora dado. Provavelmente, teria de fazê-lo na cozinha. Ao menos tal fato facilitaria à Peter o dever de encher com água quente sua tina.

Voltando a calçar as botas, o escocês manteve-se observando à jovem, deixando-lhe claro em sua expressão que lhe dizia "isso tudo por sua culpa". Era curioso, porém, como já não o fazia com um sentimento real de desgosto ou ira. O fazia com um riso irônico nos lábios, inclusive, como se achasse graça da situação.

Como se, de fato, não se importasse verdadeiramente por ter de reestruturar os próprios planos por ela.

Como se já não a visse como uma figura capaz de causar-lhe aversão...

De repente, o estômago de Ian ficou frio.

Erguendo-se rapidamente, o escocês sentiu o corpo todo ser tomado por uma sensação gélida, que espalhava-se do estômago à todo o restante de seu interior.

Mar Aberto - Entre Corsários e Piratas. [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora