Capítulo II - Escrúpulos

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Assim como em todas as manhãs, Ian despertou com a luz do primeiro raio de sol atravessando os vidros da janela da cabine, refletindo em sua face. O escocês, como de costume, esticou o corpo largo sobre os lençóis, e entrelaçou os dedos acima da cabeça, estalando-os em um movimento preciso de quem já fazia aquilo há anos. Diferente das outras manhãs, entretanto, notou que naquela encontrava-se vestido, coisa que há bastante tempo não lhe era comum.

Em realidade, há muito o agradava o hábito de dormir completamente nu.

Preguiçosamente, organizando-se sentado sobre o colchão, esfregava os olhos, enquanto buscava as lembranças da noite anterior. O escocês sempre considerava bastante curiosa a maneira como corpo e mente, raramente, pareciam eleger o mesmo momento para despertar. Quando terminou de esfregar os olhos, entretanto, a imagem logo à sua frente fora capaz de despertar-lhe em todos seus aspectos, de supetão.

Mallachd 4.

Blasfemou baixo o suficiente para não correr o risco de também despertar a figura feminina à sua frente, sem ter ainda plena convicção de como e se gostaria de fazê-lo.

Há apenas segundos atrás, teria sido capaz de jurar que a presença daquela mulher em sua cabine não havia passado da lembrança distante de um sonho, não de uma realidade completamente vívida e colorida, a qual naquele momento recordava-se de estar sendo obrigado a, graças as próprias atitudes, vivenciar.

Malditos escrúpulos.

Morgana dormia com a cabeça e corpo apoiados no baú de madeira do escocês. Apesar da cena que Ian recordava-se de tê-la visto protagonizar antes de cair no sono, na noite anterior, parecia-lhe bastante cansada, com a respiração baixa e profunda soando através do tecido da mordaça.

Ao fundo de sua consciência, Ian sentiu-se levemente incomodado pela cena, mas era algo que nem mesmo a si poderia confessar.

Mulher ou não, e mesmo que parecendo-lhe suscetível, ainda tratava-se de uma prisioneira, e Ian sabia que não poderia ser correto deixar sentimentos tão altruístas guiá-lo em suas atitudes pertinentes à ela.

Lentamente, McLaggen levantou-se da cama, caminhando até a vela gasta sobre a mesa, apagando-a em um sopro. Em seguida, utilizou a água que Peter frequentemente trocava de sua bacia destinada a higiene pessoal, e lavou o rosto, sabendo que o hábito sempre o ajudava a realocar as próprias ideias no lugar. Ainda com a toalha em mãos, enxugando-se, caminhou até a jovem mulher, aproximando-se mais, até ser capaz de observar seus traços com mais atenção, atitude à qual não havia se dado ao trabalho, desde que fizeram-na refém.

Não demorou muito para que pudesse constatar suas primeiras impressões: a jovem tinha a pele escura, lisa e uniforme como o mais puro ébano. Apesar de estarem parcialmente presos, era possível reparar que seus cabelos eram crespos e, assim como os cílios e sobrancelhas, negros e volumosos. Volumosos, aliás, como também eram seus lábios que, apesar da mordaça, era possível notar serem de um tom marrom levemente avermelhado. Além disso, estes possuíam no arco superior um desenho tão convidativo, que levaram o corpo do escocês a, inesperadamente, arrepiar.

O arrepio, entretanto, se estendeu, desdobrando-se em outras reações que McLaggen não possuía, nem de longe, o poder necessário para controlar. Tal fato o soou como um alerta, e Ian resolveu que já havia passado da hora daquela breve inspeção terminar.

Imediatamente, decidiu que preferia realizar seu desjejum no refeitório aquela manhã, junto dos demais. Poderia não admitir, mas a ideia de permanecer perto dela, naquele momento, começava a incomodar.

Mais tarde conversaria com a prisioneira, e estava certo de que o faria sem qualquer dificuldade quando sua inevitável disposição masculina matinal já o houvesse abandonado.

Mar Aberto - Entre Corsários e Piratas. [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora