A última dança

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Ela não se lembrava muito bem como ela surgiu, nem se aquela menina sempre esteve com ela, se ela era uma ilusão, ou se era de fato algo de sua realidade externa.

A única coisa que ela sabia, é que era uma completa fracassada, que ninguém é capaz de gostar dela como amiga e muito menos como namorada. Que ela não era a "segunda opção" de suas amigas, porque não chegava nem a ser a quarta, que os seus escritos eram tão relevantes quanto um papel colado na geladeira dizendo "não se esqueça de escovar os dentes" e seus sentimentos incomodavam, eram como poeira em volta de alérgicos, espirram, limpam, espirram, tomam remédio e por fim, não espirram mais e deixam de ser importantes.

Essa menina jurava dizer apenas a verdade óbvia e inegável para ela, que não suportava vê-la feliz diante de tamanha desgraça, ainda mais tão evidente, semelhante a um operário se enchendo de pão diante da grande depressão, como se a escassez fosse uma mentira criada pela indústria farmacêutica e o amanhã uma ilusão inventada por poetas sob o efeito de Whisky.

O mais complexo deste caso, é a semelhança que as duas carregavam, tinham exatamente a mesma aparência, a diferença é que uma carregava uma chave no pescoço. Segundo ela, essa chave dava acesso aos escombros mais profundos da menina.

Seria uma síndrome de grandeza ou de pequenez? Não é irônico que o arauto da verdade e do óbvio seja uma menina igual a ela? Como se ela fosse o próprio Platão com cabelos longos, ela trata tudo que ela diz sem sequer questionar uma palavra.

É necessário afirmar que a menina argumentava muitíssimo bem, tão bem, que o irracional parecia um juízo analítico.

Uma vez isso a irritou de uma tal forma, que ela apontou uma arma na cara da menina ameaçando apertar o gatilho.

— Se eu morrer, você morre junto.

Ela abaixou a arma. Uma lágrima desceu de seus olhos reconhecendo a sua superioridade.

Ou seria a sua inferioridade?

No meio de tantas contradições, ela subiu até o andar mais alto do prédio de sua escola sem que os inspetores notassem. Alguns estudantes reparam que ela estava lá em cima, mas estavam tão preocupados com a perda da virgindade da garota mais famosinha do colégio, que sequer se importaram.

Ligou o celular, apertou o modo aleatório do seu tocador de músicas e a sua melodia começou a tocar.

— Vamos dançar! Olha que sorte, a sua canção favorita! — disse a menina pulando, fazendo a chave pendurada no seu pescoço pular em seu peito.

Ela se surpreendeu. Era a primeira vez que via a menina ser tão feliz e animada, ainda a convidando pra dançar? Foi histórico! Aceitou a proposta sem exitar.

Rodaram, pularam, suaram, até que seus pés estivessem destruídos, a menina cansada da chave pulando em seus seios, deu para que ela segurasse.

No momento final da música, a menina enrolou-a em seus braços, pronta para fazer com que ela girasse.

Ela girou, girou e girou.

Seu pé ficou sem chão.

O operário ficou sem pão.

E ela caiu fatalmente dali.

Seu corpo repousa agora no caixão.

Um dos colegas comentou sobre o fato em uma aula de geografia dias depois.

"Por que raios ela estava dançando sozinha?

Incalculáveis - ContosWhere stories live. Discover now