Incalculáveis - Contos

Céu, inferno e o nada

—Você não deveria sair por aí espalhando suas teorias malucas sobre a eternidade, as coisas são muito mais simples que as suas loucuras.

—"Se és salvo, vai para o paraíso, se não para o fogo" não vê que é extremamente reducionista?

—Reducionista? Isto é como as coisas são e pronto, é o senhor que está adicionando questões sem qualquer tipo de cabimento

—Isso é ruim por acaso?

—Tenho certeza que não é bom!

—O senhor não respondeu a minha a minha pergunta.

—Como? Se algo não é bom, logo, é ruim.

—Por que tamanha pressa? Nem todas as respostas do mundo chegam assim de bandeja, meu caro...

—E por acaso há algo de errado na minha conclusão?

—E quem disse que só existe o bem e o mal?

—Mas como existiria algo que não é bom e nem ruim?

—Se encostassem uma pena em sua perna enquanto anestesiada, a sensação seria boa ou ruim?

—Eu simplesmente não saberia, ora! Estou anestesiado!

—Se "bom" e "mau" não conseguem exprimir a sua ideia, certamente há algo além deles, não acha?

—A ignorância?

—Tens a mania de nomear absolutamente tudo, que tolo...

—Quer que eu chame de quê?

—"O nada"

—Uau, quanta criatividade...

—Agora vem falar que não sou criativo, até algumas falas atrás era só bem e mal, bom, ruim, céu, inferno...

—Ainda acredito que só exista o céu e o inferno.

—Por quê?

—Sou cristão, se não acreditasse nisso, no que acreditaria? deus é dono de todas as coisas e sabe de todas as coisas e é isso que nos revelou.

—deus é dono do nada?

—O nada não pode ter um dono, concorda?

—Bem...Se não há nada, não há influência, tampouco divina...

—Então podemos dizer que "O nada" é livre dos planos de deus?

—Eu...

—Não precisa ter medo de dizer que deus não é dono de algo.

—Ok, deus não é dono do nada

—Conseguiu! Parabéns!

—Continue a porcaria do seu raciocínio, idiota.

—Pra quê isso? Estou apenas lhe ajudando a ver as coisas de uma maneira diferente...

—Do que adianta? No final das contas eu e você seremos abençoados ou castigados pra sempre.

—Ou não.

—E esse tempo todo estava perdendo o meu tempo com um ateu...

—Eu não sou ateu.

—Ah, agnóstico, quem liga.

—Também não! Eu acredito em deus e também acredito no nada, você pode ir para o céu, inferno ou o nada.

—Que tipo de pessoa iria para o nada?

—Quem o nada quisesse para ele, ele não é servo de nenhum deus.

—Não interessa se o nada tem dono ou não, o que interessa nesse caso é quem é o nosso dono, que nesse caso é deus ou o Inimigo.

—Também tem medo de dizer "Diabo"? Quanta virgindade...

—Eu vou sair daqui.

—Não, calma, estou apenas brincando, sei que o senhor é casado e...

—Continue o raciocínio!

—Ok, ok... Continuando, se o bom é salvo e se o mau é castigado, o ignorante é ignorado e engolido pelo nada.

—Se há ignorância, há inocência, se há inocência, há a salvação.

—Sim, ué.

—Então estás errado.

—Sou o nada, como posso estar errado se nenhum valor moral me aprisiona?

—O quê?

—Você está falando sozinho, Roberto.

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Acordei, olhei para a parede reflexivo ouvindo uma voz dizendo:

—Você não deveria sair por aí espalhando suas teorias malucas sobre a eternidade, as coisas são muito mais simples que as suas loucuras.

——"Se és salvo, vai para o paraíso, se não para o fogo" não vê que é extremamente reducionista? — questionei admirado.