Cerveja

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Era uma vez, uma mulher.

Mas havia um detalhe que deixava tudo mais surpreendentemente complexo. Ela era tratada como um cara.

Digo, a mesma era a pessoa que eles diziam as suas conversas sujas e as informações mais depravadas possíveis, que faria qualquer garotinha tapar os seus ouvidos e ficar tão vermelha quanto a sua recente menarca, mas ela dava apenas uma gargalhada engasgada com os resquícios de tabaco em sua garganta, e completava o ode ao obsceno contando um caso até mesmo pior que os pobres ouvintes.

Eles tinham medo dela, às vezes respeito, por consequência e acima de tudo, confiança.

Via as doces ilusões das meninas de beijos perfeitos e momentos carinhosos com os garotos, serem brutalmente destruídas com um:

"Ela foi a primeira mulher que entrelacei a minha língua e não fiquei excitado"

"Que dó!" Exclamava antes de rir despreocupadamente achando aquilo muito mais interessante que um livro de suspense.

Sim, ela era uma grandiosa babaca, mas o que faria ela senão assemelhar-se aos meninos que tanto conversava.

Ela achava aquilo um privilégio engrandecedor. Como se fazer parte daquele bando a fizesse diferente das outras, e realmente, fazia.

Mas por um segundo, ele deixou a sua fantasia de lado, e observou a realidade que sempre se debatia nos seus olhos.

Olhando para aquelas vadias, aprendeu que elas tinham a faca, o queijo, o vinho e trouxa em suas mãos. Com tão pouca idade, já eram especialistas em manipular os meninos que a esse ponto, serviam aos próprios hormônios.

No meio dos beijos e amassos que sufocavam a sua dignidade e bebidas "de graça" elas brevemente esqueciam do psicólogo as 9 horas de manhã e viviam na realeza. Já ela, a comparsa dos garotos, apreciava uma coca cola sem gelo enquanto mudava a sua posição na cama.

Nesta hora, a menina logo percebeu que não estava no topo, e sim na última colocação.

"O que eu posso fazer? Como viro uma delas?"

Sua mãe disse que ela era muito desleixada e que se mudasse isso, as coisas seriam diferentes.

Perfume, sombra, corretivo, contorno, dieta, peitos, bunda, cintura, pernas e mesmo assim, ela não causava nenhuma mudança no fluxo sanguíneo de ninguém.

Uma vez, numa festa, colocou uma blusa apertada, uma saia curta e se produziu como nunca antes.

Por três segundos, vinte décimos e cinco milésimos, ela foi tratada como uma mulher.

Eles olharam pra ela impressionados reparando em cada curva de seu corpo e esboçaram um um desejo tão leve, que nem a balança profissional na cozinha conseguiu calcular, mas à medida que ela se aproximou mais deles, eles a reconhecem e ao invés de um abraço suspeito, um elogio malicioso e um:

"Olá, lindíssima"

Foi recebida com um aperto de mão e o um broxante " e aí, mano"

Não importava o que fizesse, o que falasse, o que demonstrasse, ela era tratada como um homem.

Deitou na sua cama bagunçada olhando para o teto sujo e o ventilador que insistia em girar naquele frio de domingo e fechou os seus olhos pensando.

"Por quê?"

O que raios ela tinha dentro de si que fazia com que tudo aquilo acontecesse?

.

.

.

.

Pois bem, ela não sabia a resposta, mas sabia de uma coisa, estava morrendo de vontade de sentir o gosto da fermentação da cevada em sua boca enquanto ouvia as músicas mais degeneradas possíveis.

Foi até o bar, sentou na cadeira e ficou reparando no quão mal pintada era a mesa daquele recinto.

O garçom veio até a mesa, levou o pequeno caderno para próximo de si e perguntou

— Senhor, qual cerveja queres?

Ela suspirou, jogou o seu cabelo para trás deixando seu pescoço a mostra, deu um singelo sorriso e respondeu.

— Uma Heineken, por favor.

Incalculáveis - ContosWhere stories live. Discover now