P r ó l o g o

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Meus cabelos castanhos flutuavam com a brisa fresca que batia delicadamente em meu rosto. O barulho da água correndo no rio é um tranquilizante para mim. As folhas do arbusto pinicavam minha pele, meus joelhos já doem de tanto ficar ajoelhada, mas teria de continuar daquele jeito. Meu arco está no chão, a centímetros da mão. Eu estou aqui faz horas e não consegui caçar nada. Não podia voltar pra casa com as mãos abanando.

Me sento no chão e suspiro. Estou ficando com fome. Arrasto minha mochila para perto de mim e vasculho-a, na tentativa de achar algo pra comer, mas não há nada além de flechas, pedras pequenas e uma faca. Suspiro novamente. Após uns minutos sentada, pensando na frustração de voltar para o acampamento sem nada para comer, escuto um barulho vindo das árvores. Me ajoelho novamente, pego meu arco e tento achar o que causou esse barulho.

- Vamos, apareça... – minha voz é baixa, quase inaudível.

Vejo um coelho ha poucos metros de onde eu estava se aproximando do rio. Puxo uma flecha de dentro da minha mochila e me preparo para atacar, mas um barulho vindo da trilha o assusta, e logo em seguida ele foge rapidamente. Me desarmo e bufo. Eu ia me sentar novamente, mas me ponho em alerta quando vejo uma silhueta saindo da trilha. Me ajoelho cuidadosamente para não fazer barulho e miro minha flecha em direção ao som enquanto meu coração acelerava.  A pessoa se aproximou do rio, se abaixou e molhou seu rosto, logo depois virou-se em minha direção e eu pude ver que era uma mulher de cabelos claros. Pude reconhece-la instantes depois, ela era filha do falecido padeiro do vilarejo. Não sei seu nome, mas sei que ela é a única de sua cabana, pois perdeu a mãe para alguma doença e anos depois perdeu o pai no ataque.

Aquele maldito ataque. Todos nós perdemos alguém. Me sento na grama e esfrego meu rosto, tentando afastar as lembranças daquela fatídica noite.

Ouço mais um barulho, indicando que algo a mais se aproxima. Me ajoelhei rapidamente e peguei meu arco, mirando para onde estava vindo o som. Observei a mulher se esconder atrás de uma árvore e se armar com uma faca.

Um outro coelho apareceu entre as árvores e saltitou até o rio despreocupadamente.  Lentamente fui subindo o arco até o meu rosto. Respirei, puxei a flecha para trás, fechei um olho e logo em seguida disparei a flecha, que foi certeira e atingiu o animal.

A mulher que estava detrás da árvore então percebeu minha presença, pois aparentemente também estava de olho no coelho. Ela então corre rapidamente em direção ao corpo do animal. Quando percebo tal ação, me levanto imediatamente, pego minhas coisas e corro em direção ao corpo do coelho também, mas ela foi mais rápida e o pegou, colocando-o em uma sacola e fugindo para a trilha. Arrumo a mochila e o arco em meu ombro e corro atrás da ladrazinha, seguindo o barulho de seus passos pesados.
O problema é que já estava escurecendo e haviam muitas árvores no caminho, o que atrapalhava minha perseguição.

Pouco mais de 5 minutos depois eu não consegui mais escutar barulho algum além dos meus pés quebrando pequenos galhos no chão e parei de correr. Fiquei imóvel no meio das árvores e tentei encontrar algum vestígio da mulher. Olhei para todas as direções, ela não poderia ter simplesmente desaparecido. A escuridão já estava tomando a floresta, os últimos raios de sol estavam desaparecendo entre as copas das árvores.  Notei mechas claras flutuando junto ao vento atrás de um tronco. Me aproximei lentamente enquanto pegava a faca dentro da minha mochila.  Conforme ia me aproximando, pude escutar sua respiração ofegante e pesada. Era ela.

Te achei, sua ladra asquerosa.

Levantei a faca e me aproximei ainda mais, mas quando eu ia a apunhalar ela virou-se e, com a faca que estava em suas mãos cortou meu braço.

- Desgraçada. – Disse. Meu corpo gritava de raiva.

A mulher começou a correr novamente, mas poucos metros depois tropeçou em algo, provavelmente um galho, e caiu, gemendo de dor logo em seguida. Me aproximei da infeliz lentamente e então peguei o saco que estava em suas mãos, onde estava o coelho que eu abati. Notei que ela estava com a faca presa na barriga, que se encontrava ensanguentada. Ela retirou a faca de seu corpo, soltando mais um gemido de dor, dessa vez mais alto.

Um barulho de galhos quebrando me chama a atenção e faz uma onda de calafrios percorrer o meu corpo. Me viro lentamente para trás e vejo uma silhueta alta e magra, praticamente desnutrida.

É a mesma que eu vejo em meus pesadelos todas as noites. A mesma silhueta que eu vi devastando meu lar. A silhueta que me atormenta. Era um deles, um dos assassinos.  Olho para a mulher, que estava paralisada olhando para a mesma silhueta com pavor.

Dou pequenos passos pra trás enquanto observo a silhueta imóvel a alguns metros de distância enquanto a ladra de coelhos se levanta com dificuldades. Noto que ele começa a dar passos lentos em nossa direção. Seguro firme o saco com o coelho morto e começo a dar passos mais longos para trás. Em poucos segundos o assassino começou a correr em nossa direção e consequentemente corremos também, na tentativa de fugir.

Comecei a correr em direção a uma enorme árvore, onde tinha uma seta em seu tronco apontando para a direita, que sinalizava o caminho até o acampamento. Eu estava correndo o mais rápido possível, escutando passos pesados atrás de mim. Não me atrevi em olhar pra trás, então não sabia se era apenas a mulher correndo pro mesmo lugar que eu ou se era aquele terrível prestes a me pegar.

Eu não posso morrer agora, simplesmente não posso!

Escutei um gemido um tanto baixo de dor vindo detrás de mim. Não me permiti olhar. Apertei o passo e meus olhos se encheram de lágrimas. Eu nunca havia chegado tão perto de um assassino desde aquela noite no vilarejo. Senti o mesmo desespero que estou sentindo agora. Senti o mesmo calafrio, o mesmo medo. Lembranças daquela maldita noite voltaram a perturbar minha cabeça e é tudo o que eu menos preciso agora.

Mas de que adianta não pensar se eu estou revivendo o mesmo medo, o mesmo desespero? Que diferença faz não pensar na morte quando se está prestes a morrer?

O Vilarejo Dalinne Onde histórias criam vida. Descubra agora