Finalmente consegui! Tudo o que eu mais queria na vida era construir a minha própria livraria. Quando era pequena sonhava em percorrer grandes corredores cheirando páginas escritas por alguém que não conhecia, mas julgava família. Os romances são os meus favoritos e ainda guardo a esperança de algum dia encontrar o meu príncipe encantado.
Aqui estou eu no dia de inauguração da minha livraria. Uma ou duas pessoas vão entrando, olham de um lado para o outro como se uma livraria fosse algo desconhecido e tentam desvendar aquele lugar. Eu olho para os rostos que vão entrando, talvez por ser escritora e gostar de apreciar cada detalhe, ou talvez por ser curiosa. Ambas as opções são válidas. Uma senhora entra. Parece estar perdida entre tantos livros, mas tem um sorriso rasgado e olhos radiantes. Aproxima-se mais tarde do balcão e entrega-me um livro. Sorrio e registo a compra. Livro de culinária, nada de interessante, mas era um bom começo.
A livraria começava a ficar deserta. Estava a aproximar-se a hora do fecho. Alguém entra, mas continuo distraída a organizar cada livro na sua posição. Reparo que alguém para ao meu lado.
«Hoje em dia ninguém dá valor a um livro. Esta livraria faz com que eu queira viver aqui para sempre. Decidi vir cá só pra ver o que este belo lugar tinha para oferecer, mas pelos vistos os consumidores acompanham a beleza do sítio.»
Olho para o lado e deparo-me com um homem alto a olhar para mim. Solto uma risada tímida e baixa. Gosto de decifrar as pessoas olhando-as nos olhos porque acho que são a nossa fonte de verdade. Assim que o fiz, congelei por instantes. O homem era realmente bonito e tinha o sorriso mais lindo que eu vira .
«Ainda bem que gosta da minha livraria. Procura algo em especial?»
«Eu pensei que fosse uma cliente. Sempre imaginei que as livrarias fossem geridas por pessoas mais velhas com dezenas de gatos e não por jovens bonitas. Mas acho que me enganei.»
«Dizem que eu tenho uma alma envelhecida, mas não sei bem se é um elogio.»
Rimos os dois durante instantes.
«Estou á procura de um bom romance histórico. Alguma sugestão?»
Fiquei pensativa. O rapaz continua a olhar-me com aquele sorriso. De repente lembro-me de um livro que lera há já algum tempo, "O Cavalheiro de Moscovo". Fui buscar o livro e entreguei-o ao homem. Ele sorri mais uma vez e pergunta:
«Já leste?»
«É dos meus favoritos. É sobre um poeta russo, nos anos vinte, acusado de esc...»
«Shhhh! Sem spoilers! De certeza que vou gostar, já que foste tu a escolher. Quanto é?»
«Este fica por conta da casa.»
«Sendo assim acho que te tenho de oferecer um jantar feito por moi-même. Já agora eu sou o Guilherme, mas todos me chamam Gui.»
«Eu já estou a fechar a loja. Tu cozinhas? Sou a Bárbara, mas podes chamar-me Bee.»
«Eu vivo sozinho há três anos por isso cozinhar é uma das coisas que mais gosto de fazer e terei muito prazer em cozinhar pra ti.»
Acenei afirmativamente. O Guilherme lê enquanto eu acabo o fecho da livraria. Parece estar a gostar porque está muito concentrado em ler cada página, palavra a palavra. Disse que estava pronta para ir e fomos andando até ao respetivo carro. Estava combinado que eu o seguisse até á sua casa. Demorou uns dez minutos, mais ou menos.
Chegamos a uma moradia bem localizada perto da Ribeira. As ruas estavam bastante agitadas, mas o interior da casa estava silencioso. Ele acendeu as luzes e a primeira coisa que vi foi uma pilha de papeis em cima de uma escrivaninha, do lado de uma máquina de escrever. Numa das paredes uma enorme estante recheada de livros antigos. Um sofá preto e uma televisão. Tudo bem no estilo "escritor de Nova York". Exatamente o meu apartamento ideal.
«Por acaso vais ficar aí especada ou vais sentar-te enquanto eu preparo o nosso jantar?»
«Por acaso eu tensionava ajudar-te.»
Ele está com um ar pensativo e engraçado, a ponderar a minha proposta. Eu amarrei o cabelo de qualquer jeito. Ele sorriu e disse que não iria aceitar a minha proposta.
Sorri, revirei os olhos e sentei-me perto dele, na cozinha, pra ver o que preparava. Só aí reparei nos pequenos detalhes que o compunham. Além de alto, tinha um corpo musculado, maxilar marcado, olhos verdes, cabelo castanho claro e encaracolado. Mas o que mais sobressaía eram os lábios carnudos e o sorriso expressivo em que eu já tinha notado.
«A comida está pronta! Espero que gostes.»
«O cheiro já é maravilhoso.»
Comemos e conversamos durante duas horas. Na verdade, não pareceram ser mais de dez minutos.
«Tenho de ir. Amanhã tenho de trabalhar.»
Trocamos os números. Despedi-me do Gui. Sorrimos uma última vez. E então virei as costas. No caminho para casa não parava de pensar em tudo o que conversámos. Da faculdade de direito que ele cursava, á minha paixão por séries. Descobrimos que temos muito em comum. Ambos gostamos de romances, Netflix, nachos, escrever, sonhar e viajar. Os pensamentos apressaram a minha chegada a casa. Deitei-me e adormeci.