O despertador toca e eu abro os olhos. Vejo que o sol tenta espreitar pela nesguita de cortina aberta.
«Ei, amor! Tens de ir para a faculdade. Acorda senão chegas tarde.»
«Eu hoje não vou. Não te vou deixar aqui sozinha.»
«Eu vou para a livraria daqui a pouco, não vou ficar aqui.»
«Então eu vou contigo. Hoje eu não te deixo sozinha nem um segundo. Não vale a pena discutires.»
«Guilherme tu vais ás aulas! Eu fico bem.»
«Pensa comigo: se eu for para a faculdade eu vou estar sempre a pensar se tu estás bem, ou seja, não vou conseguir prestar atenção a nenhuma aula. Se eu ficar contigo eu vou saber se tu estás bem ou não, o que acaba por não me foder o psicológico.»
«Vendo do teu ponto de vista eu acho que... serás um ótimo advogado. No entanto, eu não caio nesses teus joguinhos para me convencer. E já agora, se eu te fodo o psicológico assim tanto, acho que devíamos acabar, para manteres a tua sanidade mental.»
«Calma aí, amor! Tu é que serias uma baita advogada, a brincar assim com os meus sentimentos. Pronto, eu vou á faculdade, mas á mínima coisa liga-me que eu venho a correr, ok?»
«Ok. Levas-me a casa?»
«Levo. Vou só vestir-me.»
Em cinco minutos ele estava pronto e em dez eu estava em casa. Voltar àquele lugar dava-me arrepios. Respirei fundo e fui tomar um banho. Vesti-me, tomei o pequeno-almoço e fui para a livraria.
Tudo estava calmo. A Madalena chegou sorridente, eu atrevia-me até a dizer que estava com um ar apaixonado.
«Olha essa carinha...! Alguma coisa que eu possa saber ou é segredo?»
«Eu estou tão feliz, Bárbara. Conheci um rapaz num bar. Ele não sabia falar português porque pelos vistos veio estudar cá por causa de uma rapariga, mas ela deu-lhe uma tampa porque já tinha namorado. Coitado! Mas enfim, começamos a falar e a conversa era muito interessante. Ele era tão gentil e carinhoso comigo. No final da noite ele acompanhou-me a casa e... aconteceu! Eu acho que ele é o tal. Não sei como é que alguém deixou um rapaz daqueles!»
«Madalena, como é que ele se chama?»
«Peter Jones. Porquê?»
«Madalena, acho melhor tu te sentares. Ele estava ferido?»
«Como é que sabes?»
«Por favor, Madalena, afasta-te dele. Ele é perigoso. Sabes a rapariga que ele te disse que lhe deu uma tampa? Sou eu. Eu fiz um intercâmbio e ele era o meu host brother. Como aconteceu contigo, nós acabamos por nos envolver e namoramos durante mais ou menos um ano. Mas esse foi o pior ano da minha vida. No início ele era um namorado maravilhoso, mas aos poucos foi-se tornando obsessivo e controlador. Eu não percebia que eu estava num relacionamento abusivo. A minha autoestima só baixava. Eu já mal saía de casa. Mas eu consegui acabar com ele antes que as agressões físicas começassem. Eu voltei para Portugal e nunca mais tivemos contacto, até há uns dias atrás. Ele veio aqui á livraria pedir para nós voltarmos e foi aí que eu lhe disse que eu tinha namorado, o Guilherme. Ele e o Gui estudam os dois Direito na mesma faculdade e isso já deu para o torto. Eles os dois discutiram e o Peter levou um soco, bem merecido por sinal, por isso é que ele está ferido. Ontem ele foi a minha casa ameaçar-me e beijou-me contra a minha vontade. Saiu de lá furioso e deve ter ido para o bar onde se conheceram. Eu sei que o que eu te estou a dizer pode parecer um absurdo, mas confia em mim. Eu realmente gostava que tudo isto fosse uma invenção.»