Sobre os Ursos

Prólogo

O céu tomava uma cor azul pálida, com algumas nuvens postas ao horizonte. O sol mal-e-mal saíra de seu esconderijo e os estudantes de todos os cursos dirigiam pela cidade a caminho da universidade estadual, onde iniciar-se-ia um novo ano letivo. Devido ao trânsito e à grande quantidade de pessoas indo para a faculdade, a locomoção pela cidade era quase nula. Ao entrar pelos portões da universidade, Charlie Darcy já sabia o que a esperava.

– Tape isso com o casaco. – Ordena o pai com repulsa, sem dirigir o olhar para a filha.

Ele, quieto, logo estaciona o carro em frente ao ginásio. A garota limpa a garganta:

– Obrigada pai. Até... até mais. – Sua voz foi sumindo, até tornar-se apenas um sussurro distante.

Charlie desce então do carro, pegando sua mochila do porta-malas. Dentro daquela mochila nada mais havia que duas calças moletons, uma camiseta branca limpa e objetos soltos, tais como uma escova de dentes, um shampoo e um condicionador. Todos os anos ela voltava para casa apenas por obrigação. A pobre garota não entendia o porquê de seu pai querer ela em casa nas férias. Afinal, depois de tudo o que dizia, sequer dirigia a ela um sorriso durante esse tempo.

"Você nunca vai ser como sua mãe."

Sentindo a neve sob suas botas Charlie põe seu casaco e pendura a mochila no ombro. O peso da alça sobre seus machucados os fazia arder, causando uma sensação ruim no corpo da menina. Seus pensamentos vagueiam enquanto anda até o prédio dos dormitórios.

"Você é fraca." A imagem de seu pai torcendo o nariz aparece em sua mente, de cabelo grisalho e olhos tempestuosos, mesmo poucos minutos depois de deixá-lo. "Nunca chegará aos pés do que ela era."

Por que Charlie não conseguia parar de pensar naquelas noites? Não era sua culpa, era? Seu pai tinha total responsabilidade por suas ações. Por que aquilo atormentava ela e não ele?

"Pare com isso! Você jamais vai conseguir substituí-la!"

– Eu não quero substituir ela! – grita a garota em voz alta.

Dando-se conta de que não respondia em seus pensamentos, desperta, olhando ao redor para saber se alguém havia presenciado seu surto. Charlie encontra-se dentro de seu quarto e, sem nem perceber, já havia até largado suas coisas sobre a cama. Lágrimas brotam relutantes em seus olhos e a garota cai de joelhos no chão, com as mãos cobrindo o rosto.

– Eu não quero substituir ela... – lamenta-se.