Duas semanas se passam e, na manhã de segunda-feira, Adam acorda cedo, o que ia totalmente contra seu senso de estudante. O garoto havia se deitado às cinco, logo após sair de uma festa. O relógio ainda não havia batido seis horas e ele já estava acordado novamente, totalmente sem sono.
Algo parecido acontecia nos dormitórios femininos, onde Charlie permanecera acordada a noite inteira. Tentara dormir também, mas sem sucesso, levantando na mesma hora que sempre acordava, exatos dois minutos antes de Adam. Ambos decidem então levantar de suas camas e dirigirem-se aos banheiros, para tomar uma ducha quente e ver se o cansaço lhes batia.
Seis e dez e os dois permanecem vividamente acordados. Cada um então decide ir a um lugar diferente. Enquanto o garoto vai a uma lanchonete 24h, Charlie dirige-se ao ginásio para treinar. A essa hora nada além de alguns bares fora da universidade permanecia aberto, mas ela tinha uma chave reserva para poder entrar no ginásio (um dos benefícios de ser treinadora do clube).
Adam passara os dias culpando-se por coisas que ele sequer pensava ser capaz de se culpar. Como poderia ter sido tão estúpido? Se tivesse se concentrado, teria dado um show para aqueles idiotas verem.
Ele também treinara como seria sua aparição repentina no clube e o que diria caso lhe perguntassem algo. "Por que está aqui de volta?", questionariam, e ele responderia:
– Eu gosto muito de lutar. Se você não suporta minha presença aqui, a porta é logo ali.
Contudo, um porém sempre invadia suas conversas com o espelho. Seria humilhante aparecer lá de novo, ele era o garoto que fora derrotado pela menininha da equipe. Literalmente, a garota. Ele fora derrotado por uma medíocre, aquilo era humilhantemente inaceitável. Ela poderia até não ser quem ele pensava que ela fosse, mas por seu julgamento era irreal e impossível uma garota o derrotar.
Adam pensou durante dias sobre voltar ao clube. Por que ele havia ido da primeira vez mesmo? Para treinar? Ah, sim, esse era seu objetivo. Sabendo que sua vida e seu dinheiro dependiam das lutas ele não podia dar-se ao luxo de fracassar.
Seu negócio era participar de lutas. As apostas que eram feitas geravam muito dinheiro, se fossem bem organizadas. Alex era quem fazia isso, agendava as lutas e cuidava das apostas, além de ser um dos criadores do Círculo. Ele não lutava, se achava franzino demais para isso (embora não o fosse), mas ganhava em cima das apostas. De cabelos negros desarrumados, estatura alta e várias tatuagens, ele era um sujeito engraçado e bem-humorado. Chamava todo e qualquer estudante que desse um bom lance ou apenas quisesse se divertir. As lutas eram secretas, mas sempre havia a exceção de quando a polícia chegava.
Quando os oficiais entravam pelas portas as pessoas se atiravam até pelas janelas, caso houvesse alguma. Às vezes os porões utilizados eram de fraternidades, às vezes eram porões arrombados de escolas e universidades, porém era sempre fácil achar algum lugar para isso, já que a maioria não era vigiado à noite.
Charlie, por outro lado, tinha uma boa fonte de renda proveniente de seu "trabalho" como treinadora. Ou pelo menos era isso que todos pensavam. Ao contrário dos professores ela não era remunerada, estava lá por simples e espontânea vontade. Ninguém (nem mesmo a coordenadora) parecia notar que aquele nem um trabalho era, e que ela não ganhava nada por estar lá.
Nessa manhã em especial Charlie não se sentia nada animada para comparecer ao ginásio novamente. Além de sentir-se fraca, ela pela primeira vez estava apenas com vontade de ficar na cama, dormindo, e mais uma vez pôde ver seu desejo lhe ser recusado, pois não estava com sono. Muitas coisas em seu cotidiano eram frustrantes, mas ela não deixava aparentar. Sempre quieta na dela, poucos eram aqueles que realmente sabiam o que vagava por seus pensamentos.
Naquele tempo, a garota tirava a blusa e as calças de moletom, ficando apenas de shorts e top para treinar. Sem a mínima noção do que acontecia no ginásio, Adam cutucava deliciosas batatinhas sorriso no Bar do Owen (que talvez não pudesse ser considerado um bar), sem vontade de comê-las. Afinal, por que aquelas batatas estavam tão felizes? Elas não iriam ser devoradas por um alguém daqui alguns minutos? Aquilo o irritava. Todos ao seu redor pareciam tão contentes às seis da manhã.
Seu sanduíche esperava por uma mordida em suas folhas de alface, mas Adam pouco parecia se importar de que havia pedido algo que não iria comer. Vinte minutos se passam e ele não come sequer uma batatinha. "Por que pedi tanta comida se nem estou com fome?", perguntava-se ele, olhando para tudo o que havia em cima da mesa.
Ocorre-lhe então que se treinasse um pouco, além de gastar energias rapidamente, iria ficar com fome. Mas onde iria treinar? Ele não voltaria àquele clube novamente, principalmente depois do que acontecera.
Outro pensamento lhe invade a cabeça, um pensamento mais racional que o anterior. Quem seria doido o suficiente para treinar em um ginásio pertencente exatamente ao clube de luta às sete da manhã? Somente ele.
Nenhum membro estaria acordado à essa hora, sequer ele gostaria de estar, sem contar que se houvesse alguém lá com certeza iria levar uma surra dos líderes do clube. Agora, se fosse ele lá... talvez não seria visto, por tomar cuidado, ou conseguiria fugir antes. Mais de catorze dias se passaram e ele não dera um soco em nada nem ninguém desde que deixara um armário amassado no vestiário, então já era hora.
Além de não ter que passar pela humilhação de encarar todos os lutadores cara-a-cara depois do que aconteceu, ele estaria sozinho e poderia imaginar a cara de qualquer um no saco de pancadas. Talvez ele imaginasse a orientadora, tão cheia de si em seu terninho bordô, ou talvez imaginasse aquele garoto do vestiário, David, que lhe dissera para não falar mal de Charlie.
Charlie Darcy, uma sujeita estranha. Ele poderia imaginá-la também, a pessoa que lhe causou tamanha frustração e raiva. Aquela pintinha no canto do olho direito, que a deixava com ar de superior e metida. O lábio do rapaz se retorce em desgosto ao lembrar da menina. Contudo, havia algo de estranho na expressão dela. Ele sempre a via no campus e, quando não em aulas, ela sempre estava treinando. Talvez fosse maldade pensar em bater no rosto de alguém com olhar tão vago e... perdido quanto o dela. Com diversas ideias na cabeça, pede a um garçom que embale o resto de sua comida para viagem, já que comeria após o treino.
Após pagar pela comida-não-comida, Adam dirige-se até seu carro para voltar à universidade. Ao entrar no campus, verifica se ninguém está por perto para vê-lo estacionar. Com sorte consegue uma vaga em frente ao dormitório masculino, que não ficava tão longe do clube.
Parando para pensar, todos os dias de manhã, quando abria a cortina, ele via Charlie caminhando ou correndo ali perto. "Ela não se cansa de não ter vida?", se perguntava ele. O que ela passava as noites fazendo para estar andando a essa hora? Dormindo? Aquilo para ele era completamente anormal.
Por outro lado, Charlie achava perfeitamente normal estar entretida com seu passatempo preferido, que era esfolar seus dedos em um saco de areia de mais de 70kg. Por algum acaso, era isso que ela fazia no exato momento em que ele entrou pela porta do ginásio.
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Sobre os Ursos
Ficção GeralCharlie Darcy é uma garota forte, não apenas no aspecto literal da palavra. Vivenciando abusos, aprendeu a ser quieta, e não faz questão de entrar em conflitos ou insultar alguém em uma discussão. Embora com alguns contratempos, sua vida está quase...