Capítulo 6

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Daniel


Vinte três anos atrás

Me escondo entre uma parede e outra, minha magreza me permite entrar em qualquer local e me esconder com facilidade, mas esse é tão estreito que temo não conseguir sair depois, fico colado nas paredes, meu nariz sangra e minha costela dói.

Tinha acabado de roubar pra comer, pois já tinha bem uns quatro dias que tentava achar algo pra comer e não conseguia. Sair durante o dia é arriscado, aquelas pessoas que pegam crianças podem me capturar e aí já era.

Tenho só nove anos e aparento ter menos, pois a falta de alimentos não me permite desenvolver direito. Na rua estou a algum tempo, nem me dou mais conta de saber dia, mês ou ano, não faz sentido, simplesmente vivo um dia por vez.

A casa abandonada onde vivo está a duas quadras do centro de Florença, acho que eram dos meus pais, não sei, não lembro deles, só lembro de já está lá e pronto, parece que surgi em meio ao lixo, alguns garotos na mesma condição que eu costumam dizer isso, mas são exatamente como eu.

Respiro com dificuldade em meio aquele aperto, se tiver quebrado algum osso nem sei o que farei, terei que aguentar de alguma forma, os hospitais não aceitam pessoas de rua como eu, nos enxotam sem pena, mesmo que esteja morrendo na porta.

Espero pelo tempo que acho ser necessário, parece que o dono da padaria desistiu de me perseguir, ou acha que conseguir ir muito além do seu alcance. Saio sorrateiro, ouvindo os sons de alguns carros a poucos metros dali, mas nada dele.

Tinha me acertado um tapa tão forte que quase morri, ou morri e nem sei, pois foi uma sensação de morte, apanhar é comum, mas a gente nunca se acostuma.

Minha barriga ainda continua roncando alto. Vou mancando e andando nas sombras, sempre que percebo algum adulto me escondo.

- Ei! Você! - É ele, começo a correr feito louco, me metendo no meio das pessoas que andam na calçada, tropeçando nelas e continuando a correr, antes que me dê conta um carro me atinge e sou jogado longe, não sinto nada, apago.

Acordo com pessoas a minha volta, todos me olhando com pena, tento levantar, mas uma mão me impede.

- Fique calmo, vamos te imobilizar para levá-lo ao hospital. - Minha boca tem gosto de sangue, mas não consigo dizer nada, sequer respirar direito, a dor de antes triplicou.

Rapidamente levantam a maca e levam para dentro de uma ambulância, furam meu braço, colocam uma luz diante dos meus olhos, tudo fica meio fora de foco, as vozes cada vez mais distantes. Assim que perceberem que sou um garoto de rua vão me jogar em qualquer vala.

Recobro minha consciência um pouco depois, estou em um quarto junto com outras crianças, tem ao menos umas dez delas, o local é grande, alguns tossem, outros dormem.

- Oi, está com dor? - Um rapaz de branco chega perto de mim e olha as coisas coladas em meu corpo. Balanço a cabeça, pois não sinto muita dor. - Quer comer alguma coisa? - Me apresso a confirmar que sim com a cabeça.

Ele sai e volta pouco depois, com uma bandeja cheia de comida, como rápido, engolindo o alimento antes que o tomem de mim, quando acaba fico tonto e enjoado, mas não me permito vomitar, não sei quando conseguirei comida de novo, não posso me dá ao luxo de desperdiçar essa de agora.

- Boa noite. - Uma senhora vestindo uma roupa rosa e com cabelo bem branquinho se achega sorrindo, seu olhar astuto me analisa. - Sou a Felícia, do orfanato Madre. - Ela não parece ser italiana, tem um sotaque diferente. - Você é um garoto de sorte, foi atropelado e só teve arranhões. - O sorriso dela é aconchegante e me faz sentir bem, pela primeira vez em muito tempo. - Qual o seu nome criança?

[DEGUSTAÇÃO] PERIGOOnde histórias criam vida. Descubra agora