Capítulo 17

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Mas isto só acontecia na imaginação de Anastácia, tudo isto não passava do produto dos seus sonhos naquela travessia do deserto que era a sua existência. Anastácia nunca se rendia e todas as noites se entregava a novas fantasias que a distraíam da tristeza e abriam as portas desse outro mundo que lhe fugira das mãos, como cai a bola que atiram ao bebe que começou a caminhar. Nessas mil histórias que inventava cruzavam-se o romantismo adolescente com a sexualidade mais impudica e animal.
O anjo e o demónio beijavam-se na boca daquela rapariga sedenta de sensações e de vida. Outra noite, Anastácia escrevia como naquele domingo á tarde tinha ido passear sozinha pela conhecida rua Muffetard. Essa rua está cheia de frutarias que estão abertas á noite e exala um odor intenso que embriaga de vitalidade os transeuntes. Os empregados das frutarias falam com os passeantes e oferecem-lhes, em exóticos idiomas, as suas mercadorias. As peças de fruta estão distribuídas em altas pirâmides que ameaçam constantemente ruir e vir pela rua abaixo.
Anastácia passeara nessa rua com o andar lento de quem não vai a lugar nenhum, com o passo desorientado de quem não tem pressa. De repente, a sua atenção fixou-se num homem que, do alto de uma varanda, ia desenhado as pessoas. Ficou encantada com aquela visão. Ele estava vestido de branco e trabalhava com os olhos semicerrados.
Anastácia deixou-se ficar parada no meio da rua, trespassada pelo olhar do pintor que parecia ter-se fixado nela. Talvez a tivesse tomado por mais um elemento do quadro que desenhava.
Passado pouco tempo, o homem de pele morena e olhar ausente fez-lhe um gesto como que a dizer: " vem cá, vem cá ". Passado alguns segundos, Anastácia decidiu subir as escadas e entrar. A porta estava aberta. Os seus olhos, habituados á luz intensa que naquela tarde de domingo penetrava até nas sombras mais intensas, levaram alguns segundos a adaptar-se.

Diário de uma virgemOnde histórias criam vida. Descubra agora