CAPÍTULO V

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                           A CENA

Um morador de rua que passava próximo à igreja naquele momento, ouviu o tiro e não deu outra, correu até a praça mais próxima e pediu a um senhor de cabelos grisalhos que estava sentado em uma moto, para chamar os policiais, pois ouvira um som estranho que se parecia muito com o barulho de um tiro. Por coincidência, Klaus que ficou até mais tarde na delegacia estava passando próximo aos dois homens, ao ver a agitação do rapaz gesticulando e acenando em direção à igreja, resolveu parar o carro e verificar o que estava acontecendo ali.
Desceu já com a arma empunhada, ele sempre era desconfiado com essas coisas.
- O que está acontecendo?
O rapaz respondeu nervoso.
- Acho que ouvi um tiro. E um movimento estranho ali perto da igreja, naquele prédio abandonado.
É lógico que todo bom contista aumenta um pouco mais o clímax da história, e com o rapaz não foi diferente. Ele começou a falar sem freio e com a voz tremula.
- Eu vi sim, senhor, um movimento naquela direção – apontava com suas mãos sujas e o cabelo rastafári em direção ao prédio abandonado – eu vi quando eles correram senhor, eram dois, não, não, eram três. Certeza que eram três, e depois eles entraram em um carro com vidros muito escuros, senhor.
- Calma!!! – Klaus estava a ponto de perder a paciência com o rapaz – Eu vou até lá para ver o que aconteceu.
Quando se afastou do rapaz balançou a cabeça e pensou “ onde é que eu estava com a cabeça ao parar aqui e ouvir a história dessa criatura, meu Deus. ”
Klaus entrou no carro e foi em direção ao prédio abandonado, outrora ali funcionava uma repartição da prefeitura e que agora estava largado às traças, e servia apenas para moradores de rua e adolescentes praticarem atos nada convencionais.
Ao se aproximar um pouco mais, Klaus percebeu um aglomerado de pessoas, desceu do carro pela segunda vez naquela noite e foi verificar o que estava acontecendo, pelo visto o rapaz não estava de tudo tão errado ou mentindo. E lá estava ela, jogada a um canto com seu vestido rasgado e o rabo de cavalo ensopado de sangue. A primeira coisa que ele procurou foi a arma no coldre de Luíza, nada. Verificou o pulso e chegou à conclusão de que ela havia desmaiado com a pancada que levara na cabeça.
No calor do momento não percebeu o que outros curiosos olhavam mais adiante. Uma mochila jogada próximo ao corpo de Luíza, porém um pouco mais no escuro. De primeira foi impossível identificar se se tratava de uma bolsa masculina ou feminina, mas ao chegar mais próximo, Klaus chegou à conclusão que se tratava de um acessório feminino. Ele pediu que todos se afastassem para isolar a cena do crime e chamou de imediato uma viatura e uma ambulância para socorrer Luíza que permanecia desacordada.
- Oi! Aqui é o inspetor Klaus, manda urgente uma viatura e uma ambulância, temos uma policial ferida. Não demore, não sei a quanto tempo ela está desacordada.
Ele ficou em silencio enquanto do outro lado do telefone alguém falava com ele.
- Exato! Estou no prédio abandonado próximo à igreja, e não se demore.
Klaus segurou a mão esquerda de Luíza na esperança de que ela apertasse seus dedos, mas nenhuma reação foi percebida e, enfim chegou a tão esperada ambulância.
Os demais policiais encarregaram-se de isolar a área, mas antes Klaus fez questão de tirar algumas fotos do local. Não podia fazer muita coisa pois se mexesse no local poderia perder algum detalhe que podia resolver todo o caso.
Algumas fotos de Luíza deitada imóvel sobre o chão de pedra também foram tiradas. Klaus parecia um paparazzo, não queria perder nenhum detalhe mesmo querendo acabar com todo aquele alvoroço e leva-la para o hospital. No fundo ele se remoía de culpa por não ter saído com elas aquela noite. Gostaria de poder voltar no tempo e sair mais cedo do departamento, ou quem sabe decidir dirigir para ela. Sua mente transitava entre a cena mal iluminada e as horas antes de tudo acontecer, chegou a pensar no pior, que talvez a tivessem violentado, mas de imediato afastou esses pensamentos da mente, tentou não pensar na dor e no desespero que ela sentiu minutos ou horas antes.
Klaus subiu na ambulância e nem verificou que a bolsa de Luíza não estava com ela, desceu e pediu a um policial que isolava a área para verificar, mas não foi encontrada. Seu telefone também não apareceu e Klaus chegou à conclusão de que se tratava de latrocínio, tendo em vista a situação em a inspetora se encontrava.
Na ambulância um socorrista prestou os primeiros socorros e chegaram à conclusão de que não havia sido nada grave, de que na nuca dela havia apenas um ferimento leve e que o sangue em seu cabelo não lhe pertencia. A grande questão agora era... de quem seria o sangue, se não havia uma segunda pessoa ali. Precisavam reanima-la o mais rápido possível para ver o quanto ela tinha visto aquela noite.
Levaram-na para a delegacia e a deixaram descansar na sala de interrogatório. Sendo vigiada por uma câmera no teto, Klaus tratou de ligar para Virginia que estava dormindo àquela hora da noite, mas mesmo assim achou por bem a incomodar, tendo em vista que elas saíram juntas e, provavelmente Virginia saberia de alguma coisa.
Ainda com as mãos tremulas, pegou o celular no bolso da calça jeans de um azul desquarado e, só então pôde ver seus dedos sujos de sangue. Correu para o banheiro e esfregou tanto as mãos que quando se deu conta estavam de um vermelho vivo. Klaus, que era de um moreno bronzeado pode ver o sangue fervendo em suas mãos. Segurou-se na pia, abaixou a cabeça, ficou ali parado alguns instantes e então resolveu mergulhar a cabeça embaixo da água que corria daquela torneira quase enferrujada. O que ele deveria fazer? Esperar por um milagre? Até onde sabia fora apenas um machucado leve, mas, e se não fosse só isso? Deveria esperar que Luíza acordasse para ver o que de fato havia acontecido, e o que aquela mochila fazia ali a seu lado.
Tomou uma dose de coragem e finalmente resolveu ligar.
- Alô! Virginia, temos um problema. Preciso que até o departamento agora.
- Mas eu estou...
- Não tem mais nem meio mais, preciso de você aqui. Agora.
Como chefe do departamento, Klaus tinha autonomia de solicitar a presença de qualquer um de seus funcionários a qualquer hora da noite, e mesmo que estes estivessem curtindo suas folgas ou férias em Bahamas, deveriam atender ao seu chamado. Essa, sem dúvidas, era uma das vantagens de ser o chefe.
Virginia não demorou a chegar, veio de taxi, pois havia deixado seu carro uma rua próxima à delegacia quando saiu do trabalho com Luíza. Assim que desceu do carro com seu salto 15 e aqueles olhos azuis hipnotizantes, seu cabelo loiro amarrado em um rabo de cavalo, e o rosto languido que denunciava que o sono permanecia ali, enraizado até os ossos, mas como sempre, ela não costumava falhar com seu chefe Klaus Baima.
- Boa noite! Ou será que já é bom dia, senhor? Deveria lhe trazer um café?
- Não há necessidade de se exceder Virginia. O que temos aqui é muito mais que importante. É importantíssimo.
Falou enquanto mostrava a imagem da câmera onde aparecia uma mulher com metade do tronco sobre a mesa de interrogatório.
- Estamos esperando que ela reaja.
Os olhos de Virginia se abriram de uma forma que Klaus nunca havia visto, o que lhe causou um certo arrepio na espinha dorsal.
- Você sabe o que aconteceu com ela?
- Eu, eu não faço ideia. Eu a deixei com A Giovanna no Joy’s e fui para casa. Meu Deus! Mas...
- Acho que deveríamos manter a calma. É o melhor a se fazer em momentos como este. Nunca esperamos que algo de ruim nos ocorra, porque estamos sempre acostumados a ver a desgraça do outro e não dar tanto valor assim, mas quando algo nos acontece, só então conseguimos enxergar o tamanho do problema.
- Você tem razão. Olha, parece que ela está se mexendo, deixa que eu vou até lá.
Klaus concordou com a cabeça e Virginia disparou em direção à sala em que Luíza estava. Que maravilha, pensou, não foram capazes de fazer o serviço direito e agora eu estou ferrada com chefe. Foda-se, eu mesma vou dar um jeito nisso.

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