CAPÍTULO VI

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A FARSA

Klaus correu para o carro e dirigiu loucamente até a casa de Virginia, mas sua surpresa foi tremenda ao bater na porta e não ser recepcionado por ela, ou, por quem ele mais esperava - Luíza. Passou a mão nos cabelos, agora quase grisalhos, e a preocupação parecia aumentar cada vez que olhava para o celular de Virginia, sem saber para onde as duas poderiam ter ido. O que lhe ocorreu foi a ideia de quem alguém poderia ter lhes sequestrado, ou que talvez isso nem chegara a acontecer, que fugiram antes e que ela não percebeu o celular caindo da bolsa.
Tentou manter a calma, respirou fundo, pegou seu celular que estava no bolso de trás da calça e procurou na agenda o número de Diego, o secretário de segurança, pois temia que o sumiço das duas daria muito o que falar para a imprensa local, principalmente por se tratar de uma cidade pequena onde, a maioria dos policiais eram conhecidos, mas principalmente Luíza, que todos diziam ser a melhor investigadora de San Jose. A mulher que nunca deixou um crime sem ser solucionado. Alguns diziam que era sorte, mas Klaus sabia que ela não descansava enquanto não chegava ao meliante.
Imaginou-a com seus longos cabelos negros, soltos ao vento naquelas férias de fevereiro, quando viajaram juntos para o litoral. Ele havia inventado uma doença repentina só para estar ao lado dela, para aproveitarem a felicidade que um proporcionava ao outro. Mas agora, parado ali em frente à casa de Virginia, ele não sentia vontade nem de respirar. Queria ela de volta, não importava como, que meios deveria tomar para tê-la ao seu lado, e quando tudo acabasse, ele tinha certeza do próximo passo a tomar.
Não chegou a ligar para o secretário pois o telefone chamou assim que ia digitar seu nome. Era da delegacia.
- Alô?
A voz do outro lado estava desesperada e ofegante, ele pode sentir o medo quando ela falava.
- Klaus, vem para a delegacia, agora!
Ele não soube o que dizer. Apenas voltou correndo para o carro e acelerou tanto que as pessoas começaram chama-lo de louco quando tentavam em vão atravessar as faixas de pedestre, e ele não parava. Ele ouviu alguém gritando.
- Louco! Vou denunciar você.
Mas ele sabia para quem aquela denuncia iria ser repassada, então não deu a mínima atenção para o que as pessoas gritavam. Sua urgência agora era encontrar com a mulher que havia ligado alguns minutos antes.
10 minutos e ele estava na delegacia.
- Sim. O que aconteceu, por que...
Suas pernas quase não aguentaram o peso de seu corpo, quando ele viu a imagem de Virginia com um dos saltos quebrado e o outro lado, bom esse provavelmente ela havia perdido pois não estava de posse dele, o cabelo desgrenhado, a roupa rasgada e suja, parecia mesmo que havia sido jogada em um poço de lama. Apesar da cena, sua preocupação estava em saber do paradeiro de Luíza.
- Onde ela está?
Virginia desatou a chorar e não saia uma só palavra de sua boca. Passava a mão nos cabelos despenteados e as esfregava no rosto em ato de desespero.
- Virginia, por favor, fique calma. Ana, pega uma água para ela.
Ana correu até a copa e trouxe um copo com água e outro com café. Ela sabia, pela expressão de Klaus que ele ia precisar, estava cheio de olheiras e seu rosto moreno de um tom bronzeado não estava nada bonito naquele instante.
- Vamos! Beba essa água e tente ficar calma.
Chamou Ana de lado e perguntou-lhe o que havia acontecido em sua ausência.
- Ela chegou aqui correndo, tropeçando nas mesas e, bem, ela estava assim toda maltrapilha. Perguntamos a ela o que aconteceu, mas ela não parou de chorar desde então. Mas acreditamos que ela tenha sido sequestrada e conseguiu fugir. - Ana fez o sinal da cruz - graças a virgem santíssima.
- Tudo bem. Vou tentar conversar com ela.
Tomou um gole do café quente que Ana trouxera e sentiu que seu estomago esquentava com o liquido que descia queimando sua garganta. Tentou lembrar da última vez que fizera alguma refeição, talvez no dia anterior no almoço, ou talvez tenha tomado um cafezinho durante a visita de Diego, aliás, foi por causa dele que ele havia saído tarde da delegacia naquele dia. Afastou esses pensamentos de sua cabeça e tentou retomar a conversa com Virginia.
- Vamos, levante-se. Acho melhor irmos para minha sala, lá terremos um pouco de privacidade. - Falou enquanto verificava os olhares curiosos dos demais policiais do departamento.
Pegou-a pelo braço e a ajudou a chegar em sua sala.
- Primeiro me diga o que aconteceu no hospital, depois me diga quem fez isso com você e onde ela está.
- Eu não sei onde ela está. Eu... eu sinto muito Klaus. - Falou entre soluços.
Ele queria muito externar a raiva que sentia por ela ter deixado que as coisas chegassem a esse ponto. Não conseguia imaginar o motivo de ela ter falhado, logo ela que era a mais esperta de todas, ele diria que mais esperta que a própria Luíza. Mas se ele tentasse pressiona-la talvez a deixasse mais nervosa e não conseguiria nada com isso, por isso manteve a calma.
- Tudo bem. Eu entendo que você está muito nervosa, mas, precisamos saber o que aconteceu. Precisamos agir agora.
Ela parou de chorar e lentamente levantou a cabeça e fixou seus olhos azuis nele.
- Então é isso? Eu aqui morrendo de medo, quase me mataram Klaus, eu quase fui morta, e você só quer saber onde ela está.
Havia muita raiva em sua voz. Ela falava alto e gesticulava nervosa. Klaus ficou parado estarrecido com a reação dela. Não parecia estar em si, mas ele manteve a calma, amis uma vez, respirou fundo, puxou uma cadeira para perto dela e disse calmamente.
- Eu me importo com você tanto quanto com a Luíza, mas veja bem, eu só quero que você me diga o que de fato aconteceu no hospital, eu procurei por vocês lá e o que encontrei foi o seu celular, na verdade, alguém encontrou e eu...
- Você achou meu celular?
A voz dela mudou de tom completamente, de raiva para nervosismo. Klaus levantou uma das sobrancelhas, achou estranho a mudança repentina de humor, porém não falou nada sobre sua suspeita.
- Sim, uma enfermeira achou o celular no estacionamento e eu liguei ela atendeu. Foi isso. Eu fui na sua casa e não achei vocês. Foi o que aconteceu. Mas agora me diga. Onde você estava? Quem fez isso?
Ele tentou não mencionar o nome de Luíza afim de evitar um colapso de raiva em Virginia.
- Nós, nós estávamos no quarto do hospital, então entrou um enfermeiro e disse que precisava falar comigo sobre a situação dela e.. - Engoliu em seco - e que eles haviam feito uma descoberta nos exames dela, ela estava lá deitada, e eu saí com ele do quarto, mas, daí lembrei da minha bolsa e voltei e um outro cara estava entrando no quarto e.. - Engoliu novamente e lágrimas começaram a descer por sua face rosada - e ele empurrava uma maca e então um deles colocou algo no meu rosto e eu apaguei. Eu juro que não tive tempo de puxar minha arma, eu juro Klaus, eu não queria, eu não devia ter acreditado nele.
- Xi, xi. Calma, está tudo bem agora.
- Quando eu acordei, eles estavam lá, e ela estava jogada no chão, eu tentei correr até ela, mas um deles apontou uma arma para mim, eu não pude fazer muita coisa.
- E como você conseguiu sair de lá?
Ela enxugou o rosto com o dorso das mãos, olhou para ele com o ar de inocência, o que o fez estremecer, ele nunca havia visto a beleza de Virginia, talvez porque só tinha olhos para Luíza, mas agora, sentada em sua sala, frágil e destruída ele pode ver a mulher que ela era. Pensou mais uma vez na pergunta que fez para ela. Levantou a mão em sinal de: continue, e ela voltou a falar.
- Um deles, saiu dizendo que tinha que ir a algum lugar falar com o "chefe".
- Nomes, quero nomes.
- Eles não falavam nomes. Eles só falavam no chefe. Como eu estava dizendo, um deles saiu para falar com o chefe. Esperei que ele fosse, então depois de alguns minutos disse que precisava de água, ele não podia me dar nada, mas eu implorei tanto que ele sentiu pena, acho, e foi buscar, quando ele voltou a única arma que eu tinha era meu sapato, e foi o que usei. Eu o ataquei com meu sapato.
Ela falava mostrando o lado que agora segurava em suas mãos sujas e com o salto quebrado.
- Ele não viu de onde veio o golpe, e ficou meio atordoado, eu aproveitei o momento de fraqueza dele e, mesmo estando um pouco tonta ainda, eu consegui derruba-lo, o amarrei a um ferro e fugi. Eu não consegui traze-la comigo, mas corri para pedir ajuda.
- Você tem noção do perigo que a deixou? Você sabe o que eles são capazes de fazer com ela?
- Eu sinto muito.
- Tudo bem. - Klaus respirou fundo pela milésima vez aquele dia. - Me diga, onde é que ela está.
- Eu posso te levar até lá, eu só preciso passar em casa e tomar um banho antes. Pode ser?
- Quê? Passar em casa? - Deu uma risadinha muitíssimo irônica e virou o rosto para o lado oposto de Virginia. - Não gostaria de desaponta-la, mas, não passaremos em sua casa, vamos direto ao que de fato interessa nesse momento.
Virginia aproveitou que Klaus não a olhava e revirou os olhos em um tom de reprovação. Ela sabia que não encontrariam nada lá, mas pelo menos devia ter a dignidade de fingir preocupação com a amiga, quer dizer eles acham que é minha amiga, pensou quase tão alto que Klaus pode ouvir o sussurrar de suas palavras jorrando lenta e silenciosamente de sua boca.
- Bom, nesse caso, vamos.
Levantou-se sem ajuda de Klaus que já se encaminhava para a porta. Ela ficou por alguns instantes parada imaginando qual seria o próximo passo. Será que descobririam o final que levara Luíza? Ou será que seria apenas mais um caso sem solução? Mas ela sabia que Klaus jamais deixaria um caso sem solução, principalmente se se tratasse de alguém que ele tanto estimava.
Klaus começou a dar ordens para alguns policiais que estavam ociosos na delegacia.
- Estamos saindo agora à procura de Luíza. Eu preciso que todos estejam prontos para agir. Não quero saber de melindres e muito menos que tenham medo de revidar. Não sabemos como a encontraremos, se está machucada, ou muito machucada. Leticia, você providencia uma ambulância e você, Mathias, quero você no comando da operação. Eu estarei à frente com Virginia, você e seus homens nos darão cobertura.
Já ia saindo da sala, quando se lembrou de mais uma coisa.
- E não esqueça, Mathias. Escolha seus melhores policiais. Quero uma operação bem-sucedida, sem falhas, sem erros.- Parou um instante, passou a mãos nos sedosos cabelos e voltou a falar - Acho que você entendeu.
Pegou Virginia pelo braço apertando forte sem ao menos se dar conta de que a estava machucando.
- Ai! Podemos ir um pouco mais devagar?
- Desculpa, eu não percebi que estava te machucando. Me desculpe mesmo. O calor do momento, a urgência da situação não estão me deixando raciocinar direito.
Ela o fuzilou com o olhar, mas logo fingiu que estava tudo bem. Ela sabia que convenceria qualquer um com a cena que montara no prédio abandonado na Rua Concórdia, que nem se preocupou em irem rápido ou tardarem a chegar. Contudo, ela gostaria muito de um bom banho quente antes de iniciar sua próxima encenação.
- Klaus! Eu acho mesmo que mereço ao menos usar uma sandália.
- Tudo bem. Fazemos o seguinte, me diz onde é que você a deixou, eu peço a eles que se direcionem, então levo você à sua casa. Tudo bem assim?
- Ah! Nossa! Maravilhoso!
Ele ficou a olhando como quem espera uma resposta enquanto ela fechou os olhos e respirou profundamente como se o ar presente ali não lhe fosse suficiente. Klaus não entendeu o que ela fazia, mas não quis saber de perguntar, a única resposta que ele queria no momento era onde estava Luíza.
- E então? Vai nos dizer onde é o tal prédio abandonado?
- Ah, claro! Desculpe, é que estou muito cansada sabe. Não dormi nada desde as... as 3 da manhã eu acho.
- Ok! Entendo perfeitamente, apesar de termos ficado várias outras vezes acordados por toda a noite, não é mesmo?
- Sim. Mas vamos ao que interessa. Na Rua Concórdia tem uma bifurcação, e assim que chegarem vocês conseguirão ver o prédio abandonado. Ele tem um... muro? Acho que não é esse exatamente o nome, mas sim ele tem uma faixada amarelada, se não estou enganada ele possui um andar inferior, que era onde estávamos, e possui muitas salas fechadas, mas as portas são bem fáceis de arrombar. E, acho que nele funcionava uma escola há uns cinco anos. A rua é pouco movimentada, quase não transitam por lá e muito menos casas, não há casas lá perto.
- Acho que sei onde fica essa rua e, melhor ainda, acho que sei de qual lugar você está falando. Espera aqui.
Klaus saiu abismado com a notícia, se soubesse que estavam tão perto da delegacia, se pudesse adivinhar as coisas talvez nem tivessem chegado a tanto. Talvez ela estivesse ali com eles.
Seguiu em direção a Mathias que já dava ordens a alguns policiais. Tratou de não prolongar muito a conversa e, assim que os demais o viram prestaram continência a ele em respeito à autoridade que representava dentro da corporação.
- Descansar!
E todos voltaram a sua posição inicial falando sobre o caso que agora chocava a todos. Passou à risca todas as instruções a Mathias, pediu que tivessem cautela e que não deixassem que nada de mal acontecesse a Luíza, mesmo sabendo que o pior poderia ter acontecido bem antes do que ele imaginava.
Não bastasse a preocupação com sua amiga, Klaus recebeu uma ligação urgente do secretário de segurança Diego Matinele, que lhe pedia explicações sobre um desaparecimento ocorrido na noite anterior de uma jovem jornalista. Amigos e familiares procuraram a polícia, mas parece que todos estavam tão submersos na busca por Luíza que acabaram esquecendo da mochila encontrada ao seu lado. Klaus não soube falar sobre o assunto, mas, prometeu uma resposta tão logo conseguisse resolver o caso que, naquele momento, era sua prioridade.
- Tudo bem, senhor, estamos com caso da investigadora Luíza Sanchez no momento, não podemos deixar que... - Foi interrompido por Diego.
- Eu preciso de uma explicação, qualquer uma, não interessa, nem que você me diga que está investigando em sigilo, não importa, eu só preciso que alguém fale alguma coisa a essa família, não quero ser julgado publicamente pelo trabalho mal feito de vocês, seus policiaizinhos de merda.
E desligou o telefone sem nem ao menos dar a chance a Klaus de lhe dizer o motivo de tanta urgência em encontrar Luíza.
- Vamos. Não temos mais tempo a perder.
Virginia entrou no carro de Klaus e os dois seguiram para sua casa, ela em busca de um banho quente e ele em busca de mais respostas.

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