Prólogo

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o primeiro dia do meu último ano do ensino médio, passei por acaso em frente ao auditório durante a reunião de orientação aos calouros. Dava para ver o brasão da Academia Ross gravado nos vitrais das duas enormes portas de madeira e uma delas estava aberta. Lá dentro, havia apenas o número de alunos necessário para ocupar somente as primeiras fileiras dos assentos duros e desconfortáveis, e o vazio dava ao lugar um ruído oco que com certeza fazia com que os calouros se sentissem ainda menores e mais impressionados. Foram necessários apenas três minutos para me dar vontade de gritar. Na minha visão de veterana, a orientação aos calouros é uma perda de tempo colossal. Ou, pelo menos, a maneira como a escola a faz é, forçando os alunos novos a repetir palavra por palavra o Manual de orientação da Academia Ross, todos ao mesmo tempo, sob a orientação do conselheiro mais próximo da morte. Não havia muitos sins no Manual de orientação da Academia Ross. Era praticamente uma repetição de nãos, desde "não usar telefone celular durante o horário escolar" até "não correr em ritmo inadequado pelos corredores". Mais da metade dos alunos lutava para ficar acordada, enquanto o restante se concentrava em sutilmente, ou não tanto, examinar um ao outro. Se fosse por mim, as coisas seriam bem diferentes. Em primeiro lugar, separaria a orientação dos calouros por gênero. Para os garotos, apenas uma apresentação simples, feita no máximo em dez minutos. Na verdade, seria bem provável que a reunião de apresentação fosse cancelada e eu apenas entregasse um comunicado. Pois havia somente três coisas a fazer para que um garoto vivesse uma experiência de sucesso no ensino médio: fazer a lição de casa, usar camisinha (para o caso de se dar bem) e passar desodorante nos sapatos de couro da escola todas as noites, pois o suor dos pés junto com as meias de poliéster têm um efeito inacreditável no nível de popularidade. Obviamente, as coisas seriam mais complicadas para as garotas. Faria uma orientação no estilo daquelas palestras sobre dirigir embriagado que assustam logo de cara, em que os policiais estacionam um carro destruído no gramado da escola e um palestrante conta como matou acidentalmente seu melhor amigo ao voltar para casa depois de uma festa. Exceto que, em vez de comentar sobre os perigos de dirigir embriagado, arrumaria um palestrante que falasse francamente sobre o perigo dos garotos do ensino médio. Conheço uma garota que seria perfeita para isso. Ela estava na minha classe no primeiro ano. Era legal. Amigável até mesmo com os alunos esquisitos. Popular, mas não a ponto de deixar os demais enciumados, e bonita de um jeito que facilmente passaria despercebida. Poucas semanas após começar o ensino médio, pagou o preço da popularidade. Arrumou um namorado. Chad Rivington tinha quase o dobro da sua altura — um tamanho intimidador até ser visto se enfiando em um fusca azul-bebê enferrujado, caindo aos pedaços que ele amava mesmo assim. Ele era um veterano com notas decentes, bons dentes e ocupava uma posição no time de basquete da escola. Em outras palavras, era um tesouro para qualquer garota, de qualquer ano, especialmente para uma caloura. Eles se conheceram na enfermaria — ela com enxaqueca, ele alardeando um enorme corte de papel na esperança de fugir da aula de espanhol II. No fim da semana, já eram um casal. No fim do mês, eram o casal.

É claro que tinham intimidade. Mas ela ia com calma, preferindo trocar beijinhos doces durante caminhadas sobre as pilhas de folhas secas de outono em vez de partidas de luta livre quase sem roupa no apertado banco de trás do carro de Chad. No aniversário de dois meses de namoro, Chad pediu que ela cabulasse a aula de álgebra para encontrá-lo no vestiário masculino para uma comemoração secreta. A garota jamais havia feito algo do tipo, mas parecia uma ousadia divertida e excitante. Embora nenhum dos dois ainda tivesse dito "Eu te amo", ela sentia isso toda vez que Chad entrelaçava seus dedos aos dela. Uma semana antes, depois de tomar suas primeiras três cervejas em uma festa, ela quase deixou escapar. Mas decidiu guardar para uma ocasião especial: o aniversário de dois meses. Depois de olhar por trás dos ombros, a garota entrou de fininho no vestiário masculino e foi na ponta dos pés até a última fileira de armários. Chad a cumprimentou com um sorriso. Um pouco depois, antes mesmo de dizerem "oi", já estavam se beijando. Parecia que o uniforme escolar dela tinha sido feito sob medida para um encontro apressado como aquele. As mãos dele deslizavam por ela toda. Todinha. E pela primeira vez no relacionamento deles, ela não se preocupou com o local que as 7 mãos percorriam. Era romântico e sexy, e tudo dentro dela estava derretendo. Chad era mais experiente nessas coisas, e ela finalmente permitiu-se curtir o momento. Eles teriam ido até o fim se estivessem no quarto de Chad, ou até mesmo em seu carro. Mas estavam no vestiário fedorento e o fim da aula de ginástica estava se aproximando. E a cada passo ouvido, assobio ou até mesmo um ruído animado que penetrava no ambiente, operigo de ser descoberta invadia a névoa de insensatez da garota.

— Não posso — disse subitamente. — Não aqui. Não agora.

Chad tentou convencê-la com palavras, com beijos. Mas agora ela não estava mais sederretendo por dentro, pelo contrário. Afastou-se da boca de Chad e disse que era melhor voltar para a aula.O rapaz ficou muito desapontado — uma postura familiar em seus últimos encontros, só que um pouco mais enfática dessa vez. Ele implorou que ela ficasse. Afinal de contas, ela mal havia tocado nele e ele estava muito excitado. Nada mais justo do que terminar o que haviam começado, certo?Ela insistiu que tinha de voltar à aula de álgebra. Suavemente. Desculpando-se. Equando percebeu como Chad continuava chateado, inclinou-se para beijá-lo. Um beijinho na ponta do nariz, para deixar tudo bem. Ela sentiu três palavras querendo sair de sua boca, prontas para serem ditas. Mas Chad virou o rosto.

A garota se sentiu mal ao voltar apressada para a aula. Sentiu-se ainda pior depois dela, quando viu alguns rapazes tirando sarro de Chad perto da árvore dos fumantes. Ele foi para o carro sem nem mesmo acenar para ela com a cabeça. A garota não sabia que a inabilidade de Chad transar com uma caloura tinha se tornado a piada do momento. Uma responsabilidade social. Até mesmo o próprio Chad brincou sobre isso durante semanas, pensando que seus amigos iam dar um tempo se ele participasse da brincadeira. Então, ele reclamava por "ficar na mão" após levá-la de carro para casa, ou imitava estar transando com a porta do armário, zombando da própria frustração depois que a garota o abraçava de manhã ou enquanto estavam no pátio. Coisas assim. Mas a participação de Chad apenas incentivava os comentários dos demais. A provocação ficava cada vez menos engraçada e cada vez mais pessoal.

Foi um dos amigos de Chad que sugeriu a pegação no vestiário. "Use o aniversário", disse o cara. "Não tem como dar errado". Para Chad, todo mundo na escola estaria com os olhos grudados no relógio durante a quinta aula. Todos esperavam que ele conseguisse. E quando apareceu decepcionado, inventou uma desculpa que o isentava totalmente de culpa. Quando a garota chegou na escola no dia seguinte, os sussurros a atingiam como flechas envenenadas em suas costas. Garotos que tinham sido gentis com ela em festas e veteranas que tinham acabado de aceitá-la no grupo agora pareciam distantes e reticentes. Até mesmo alguns  de seus próprios colegas, aqueles que ela havia ajudado a adentrar no exclusivo mundo escolar superior, de súbito passaram a ignorá-la. Ela não conseguia entender. Pelo menos não até ver Chad, que olhou na outra direção, enfatizando sua culpa, para que não tivesse de falar com ela. Em seguida, por onde ela passava, todos começaram a fungar. Sempre que ela is para qualquer lugar, alguém fungava. Não parou para pensar no assunto. O tempo frio estava no ápice. Mas a ação ficava se repetindo. Funga. Funga. Funga. Onde quer que ela estivesse. Ela só percebeu o que estava acontecendo na hora do almoço, quando um dos amigos de Chad foi até o quadro branco e escreveu o nome dela ao lado da entrada de iscas de peixe.

"Ela me deu nojo", imaginava Chad dizendo. "Quase morri de rir, ela fedia tanto." Tãoidiota. Tão impensado. Tão mentiroso. Mas foi a gota d'água. Chega. Era o fim. Para ela era o fim. A onda inicial de provocação foi diminuindo depois de alguns meses, como qualquer outra frase de slogan de efeito. Chad nunca se desculpou. Talvez tivesse limpado a consciência admitindo para alguém que tinha apenas feito uma piada ridícula, mas ele não disse nada à garota. E outra pessoa passou a ser alvo das fofocas quando uma novata supostamente participou de um ménage à trois no chuveiro da casa de seus pais com dois colegas de classe de Chad.

Mas para a garota aquilo provocou mudanças. Em forma de andar, na freqüência com que levantava a mão na classe, no que ousava colocar em seu prato no almoço. Ela nunca mais foi a mesma novamente. Não mesmo. Era a isca de peixe. É por isso que confiar em garotos era igual a beber e dirigir. Claro, alguns correm o risco. O fato de se tomar uma ou duas cervejas nunca parece perigoso no começo. Mas, para mim, era óbvio: por que alguém iria querer correr o risco? Então, era isso. A orientação tinha de ser algo desse tipo. Tínhamos de informar coisas úteis em vez das regras de manutenção de armário. Ouvir uma história como essa era tão importante quanto saber seu tipo sanguíneo, ou se você é alérgico a picadas de insetos. Era o tipo de informação que poderia salvar a vida de uma garota. 

Não sou este tipo de garota.Where stories live. Discover now