Quarta-feira. Provavelmente, é o meu dia preferido da semana - não incluiremos os sábados, pois são apreciados por razões diferentes. Eis a razão: tenho a tarde completamente livre da escola e consigo trabalhar um turno integral na "Dusty & Other Types of Books", ou apenas Dusty, como é conhecida na comunidade.
Dusty nada mais é do que uma pequena livraria local, aberta por Mr. Dustin, em 1968, que me aceitou como funcionária em part-time por passar aqui praticamente todo o meu tempo livre. O Mr. Dustin, meu patrão, estava com falta de funcionários dispostos a vender o seu produto, e então apareci eu, "porque ninguém vende melhor que os nossos clientes",.
Para alguém como eu, este é quase um emprego de sonho: estou constantemente rodeada por uma das coisas que me traz mais prazer em todo o mundo e, desde que comecei a trabalhar aqui, o meu parco conhecimento literário aumentou quase que de forma exponencial. O cheiro a papel tem o mesmo efeito que os calmantes têm para as pessoas com ansiedade e, ainda que a maior fonte de rendimento venha dos materiais e livros pedagógicos, sinto uma felicidade enorme quando me dão a oportunidade de recomendar obras literárias.
Mas, sem sombra nenhuma de dúvida, a melhor vantagem se trabalhar na Dusty são os descontos enormes de que posso usufruir na compra dos livros (e, por vezes, acompanhadas de amostras grátis).
Porém, nem tudo é parecido com o romanticizado por filmes e romances. (In)felizmente, há alguma afluência à livraria - excluindo dias de maior precipitação, como hoje -, e eu nunca mais tive a oportunidade de tirar um tempo para desfrutar de uma leitura como nos velhos tempos. Apesar disso, não é algo que me aborreça.
- Já sabes, pequena Grace, qualquer coisa que precises, estou a um telefonema de distância. - Garante Mr. Dustin, enquanto cobria os cabelos grisalhos com a sua boina.
- Não se preocupe. Vou organizar os novos livros que chegaram da editora e, talvez reponha o stock de material de pintura. E, como hoje está mau tempo, não acho que vá haver grande problema.
- Tu és um tesouro. - sorri, novamente. - Ah, outra coisa, não te esqueças de eleger os "Livros da Semana" e de fazer aquelas coisas todas bonitas na vitrine, que tu tão bem sabes fazer! Bom, até sexta!
- Até sexta! Beijinhos à Senhora Regina. - despeço-me e fico um tempo parada a olhar para o temporal lá fora.
Como eu adoro dias de chuva!
Adoro o som das gotas a baterem contra as janelas da loja e som fustigante do vento contra as árvores dos passeios. E, sem nenhuma razão, todo este cenário torna o meu dia produtivo.
- Se trabalhares aqui, és uma funcionária terrível. - assusto-me com uma voz grossa que surge atrás de mim. - Como és a única pessoa aqui, suponho que sim. Para que conste se eu quisesse assaltar isto, tu nem irias dar conta.
O cliente arrogante. Esse tipo de cliente.
- Mas não assaltou, por isso, não tem o que me apontar, senhor. - sorrio amarelo. É tentar lidar. - Seja muito bem-vindo, em que o posso ajudar? - questiono o rapaz de preto à minha frente, ainda sorrindo.
- Pensei que espeluncas como estas já não existissem. - gargalha sarcasticamente. - Trata-me por tu, tenho praticamente a tua idade. - ordena com uma cara carrancuda, enquanto dirige o seu olhar para as diversas estantes que se estendem pela loja.
Ui! Tanta amargura em um rapaz tão belo.
Sinto os seus olhos côr de amêndoa a olharem-me com atenção à espera de uma resposta, enquanto algumas gotas caem do seu quase inexistente cabelo, acabando por molhar ainda mais a sua pele escura. Ele era incrivelmente atraente
- Eu sei! A mim também me custa acreditar. É realmente uma pena não existirem mais lojas como estas. Mas por um lado é fantástico, porque aposto que sentiste, nem que por uns segundos, o prazer da descoberta de um achado.
- As pessoas ainda compram livros? - o rapaz moreno à minha frente ainda oferece alguma resitência, mas sinto-o ficar ligeiramente menos carrancudo. Felizmente.
- Ficarias surpreendido! Se quiseres posso apresentar-te algum!
- Romances de Nicholas Sparks? Não muito obrigada! Não sou nenhuma mulherzinha à procura desses livros sem conteúdo.
- Ofendes-me. - por momentos, perco a compustura. Ainda que não seja a maior fã do escritor, o seu comentário desagradou-me bastante. - O gosto pelos livros não se define pelo sexo.
E, ainda mais inesperado do que a sua aparição, ele faz A Pergunta.
- Então, o que recomendarias para um rapaz como eu? - questiona, de propósito.
- Bom, qualquer tipo de livro. Um rapaz como tu pode ler Romances, romances LGBTQ+, ficção científica, biografias, poesias, livros "conspiracionais". Um rapaz como tu pode ler o que ele bem quiser. - tento parecer séria, mas a empolgação de falar sobre o que eu gosto sobrepõe-se a qualquer rudeza por parte do cliente.
Então, entre o meu falatório, ele sorri.
- Gosto de ti! Acho que poderemos vir a ser grandes amigos. - ele finalmente perde o seu semblante carrancudo e a sua pose de bad boy desfaz-se. - Prazer. O meu nome é Michael e peço desculpa por ter sido um estúpido contigo.
Para uma pessoa que anda praticamente quase sempre com a cabeça noutro planeta, estar perdida em momentos diversos é algo inevitável. Mas o rapaz à minha frente deixou-me completamente confusa.
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grace
Teen FictionA minha vida não dá para escrever uma história. Sou um nada, que tem tudo em mim. Sou uma adolescente, com um amor não correspondido. Sou um monte de clichés, mas não sou igual a mais ninguém. Sou um desastre que anda por aí, uma mutação de ideias a...