Nina
Eu amo aquela hora da manhã. Quando o sol ainda é apenas uma pálida ameaça a escuridão e o vento frio agride meu rosto, a música estourando em meus ouvidos enquanto corro cada vez mais rápido.
Gosto de imaginar que estou fugindo.
Mas nunca consigo saber do que.
Apenas impulsiono meus pés, a paisagem das ruas de Chicago passando como um borrão. Névoa e gelo.
E a fúria dos meus passos pela calçada molhada.
É meu momento preferido do dia. A bem-vinda solidão da minha corrida matinal pela Michigan Avenue, circulando o Park Central.
Eu costumava estar sozinha a maior parte do meu trajeto, antes que a cidade começasse a acordar. Porém, há algum tempo, que um outro corredor solitário faz o mesmo caminho que eu, em direção contrária.
Na primeira vez que o vi, sua imagem surgindo ao longe, desejei dar meia volta e não passar por sua figura vestindo um moletom cinza, o capuz cobrindo a cabeça, impedindo que eu visse seu rosto. Mas segui em frente, ignorando sua presença quando passou por mim, como um borrão.
Mas nos dias que se seguiram, o mesmo corredor voltou a cruzar meu caminho. Sempre com um moletom lhe cobrindo o rosto. Era como se eu também não existisse para ele.
Um dia percebi, com certo medo, que ele diminuiu o passo ao passar por mim.
Virei o rosto, evitando qualquer contato visual que pudesse surgir.
Na manhã seguinte, ele fez o mesmo. Uma curiosidade estranha me fez prender o olhar em sua figura, e não consegui deixar de apreciar a contragosto quando ele acenou com a cabeça quase imperceptivelmente.
De alguma maneira, estranha e bizarra, sentia certa conexão com o corredor solitário.
Talvez o fato de nunca ver seu rosto fizesse com que eu me sentisse segura com sua presença constante.
Não era uma ameaça.
Não era alguém que ia parar e tentar iniciar uma conversa tola sobre o tempo ou política, ou, Deus me livre, querer saber mais sobre mim.
De certa forma, imaginava que ele era como eu.
Ele não estava interessado no mundo, assim como eu.
E sem que eu percebesse comecei a ansiar por aqueles momentos roubados. Em que sentiria sua energia ao passar por mim. Nossos passos diminuindo, mas nunca parando. Nossas cabeças meneando em reconhecimento.
Não queria admitir que assim que ele passava, eu olhava para trás, para observá-lo desaparecer com seus passos decididos e uma parte de mim admirava sua figura masculina que o moletom deixava antever.
Me perguntava como seria seu rosto.
Porém, essa manhã, outras coisas permeiam minha mente enquanto impulsiono meus pés rápido pela calçada molhada, com ainda algum gelo aqui outro ali, denunciando que o inverno está chegando com vontade.
Há alguns dias fui surpreendida por uma ligação de uma agência de empregos que tinham meu currículo e perguntavam se estava interessada em trabalhar na Black Investiment. A princípio achei tratar-se de uma vaga em telemarketing como sempre, mas a voz profissional do outro lado da linha respondera com paciência que era para o cargo de secretária da diretoria. Salário cinco vezes maior do que eu ganhava. Benefícios incríveis. Questionei se não estavam me confundindo, se tinham mesmo dado uma boa checada no meu currículo e a mulher respondera, agora sem muita paciência que eu poderia declinar se quisesse, mas que estavam pedindo que eu fosse a uma entrevista.
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Black - O lado escuro do coração
Romance** Atenção, este livro está completo na Amazon** Por isso, aqui agora é apenas degustação. Ao perder os pais com apenas sete anos, Nina imaginou que viver sem o amor da família era a pior sofrimento que poderia existir. Porém, às vezes, o amor, assi...