3 - O vermelho e o negro

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O barão vivia em uma das localidades mais nobres. Servindo de sustento à luxuosas mansões muradas, a Alameda da Glória era a região mais alta da cidade. Em seu topo, erguiam-se as torres do veemente castelo do mestre burguês, chefe de governo da cidade.

Da Alameda da Glória, as ruas de pedra desciam até a grande ponte que ligava o distrito nobre ao restante da cidade. O grande rio que cortava aquelas terras abria um braço sobre a superfície, formando um breve contorno que ilhava a Alameda da Glória, o que, por sua vez, constituía uma espécie de defesa natural contra quaisquer males bélicos – ou, na pior das hipóteses, tremores populares – que se erguessem contra a fortaleza e os nobres da cidade. A Alameda era como uma cidade dentro da cidade. Dentro da Alameda, o barão sentia-se seguro. Fora dela, bem... não sabia o que esperar. As ruas do distrito encontravam-se desertas àquela hora da manhã. Era o que aparentava, ao menos. A neblina impossibilitava o homem de enxergar qualquer coisa a cerca de quatro metros de si.

Espero que saiba para onde vai.

Após passar por praças e jardins, rua abaixo, o barão já tomava rumo diferente do caminho cotidiano. À sua frente, surgiu o Portão Interior para a Ponte do Burgomestre, e um arrepiu percorreu-lhe a espinha. Os cascos de Palafrém estalavam em meio ao silêncio dos confins da Alameda. Os olhos do barão enxergavam apenas as bases sólidas das duas torres altas que se erguiam das beiradas do muro a sustentar o primeiro portão. Em verdade, aquelas eram portas; largas portas duplas e curvas de carvalho sólido, com cerca de cinco metros de altura cada. À sua frente, fazendo a guarda matutina, dois homens em armadura de aço sentavam-se em pequenos bancos de madeira, apoiados em suas altas lanças afiadas. Ao aproximar-se sobre o belo cavalo negro, os refinos do chapéu emplumado do barão foram o suficiente para denunciar-lhe o poder e autoridade. Os homens puseram-se em pé. Palafrém parou.

– Bom dia, meu senhor. – Disse o primeiro, enquanto o segundo já puxava, com força, a alça de uma das portas a fim de liberar a passagem ao barão.

– Bom dia para os senhores também. – Respondeu-lhes, enquanto o cavalo seguia adiante, rumo a ponte.

À sua frente, estendia-se, estirada, a longa ponte de madeira sólida por sobre ambas as altas margens do Estreito d'Ouro. Elevada e rochosa, a Alameda da Glória separava-se das demais regiões pelo braço do Long'água que se abria, ilhava o distrito nobre e, curvando-se, encontrava-se novamente ao corpo do grande rio. Da altura das beiradas da ponte estirada, era uma queda fatal até as águas do Estreito, lá embaixo. Os passos cascudos de Palafrém produziam um baque sonoro conforme avançavam por sobre os quinze metros da madeira revestida da ponte levadiça. À frente, as grossas grades de ferro do Portão Exterior encontravam-se, como de costume, erguidas. A sólida malha de ferro, ao contrário das portas interiores, mantinha-se sempre levantada, restrita a ser baixada apenas sob comandos superiores, sob fins específicos. Se as torres interiores eram altas, as torres do Portão Exterior possuíam o dobro da altura. Acima do portão, o alto muro de pedra era revestido por guarnições cercadas por barbacãs de pedra, servindo como ponto estratégico para arqueiros e besteiros. Às beiradas do sólido muro do portão, erguiam-se, largas e altas, as torres cinzentas que serviam de verdadeiro ponto de defesa e vigília no meio da cidade. Atraídos por movimentos nas guarnições, os olhos do barão passearam, rápidos, pelas alturas do muro. Possivelmente, uma dupla de soldados montava vigília lá em cima.

Quando o corcel negro surgiu das sombras sob o portão arqueado, o ruído produzido pelos cascos de Palafrém passou, novamente, ao baque surdo sobre as pedras. Uma nova dupla de homens saldou-lhe. O barão devolveu-lhes, levando uma mão ao emplumado e assentindo com a cabeça, num gesto respeitoso. Adiante, as pedras formavam uma descida reta para a Praça Arqueada. A neblina dissipava-se, relativamente, à medida que desciam para a cidade cinzenta. Semelhantemente às ruas da Alameda, as ruas daquela região mantinham-se, também, vazias. Dali para baixo, imaginava o barão, as ruas provavelmente estariam mais movimentadas. Passando pela praça arborizada, a rua seguia, inclinada, para baixo. Palafrém seguia a trote.

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