"Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!..."
Naquela noite, ostentava um vestido de seda cor-de-rosa florido, leve e sensual. Era noite de primavera sobre Tavancy ex-invernal e a jovem encontrava-se agradável como o mais fino botão de rosa... ou de outra flor perfumada e bela qualquer.
– Está deslumbrante, senhora.
Ali, diante de si, aquele pomposo senhor era mais um dos que a devorava por completo com os olhos sedentos, mordiscando os lábios com os dentes. Caterine entregou-lhe o espesso manto de pelos negros que lhe cobrira até ali pelas ruas e passou pelo homem como quem desfila num baile ou festival primaveril, firme e formosa. Sentia-se como se estivesse, de fato, em uma das calorosas e agradáveis noites primaveris de dezembro.
A verdade é que aquela era, muito pelo contrário, plena noite outonal sobre a cidade. De outro modo, seria difícil conseguir esconder do marido os passos secretos por vielas e ruelas afora. Em seu fim: a biqueira. Dos bicões dos poderosos. A Tavancy outonal é assim surreal, dos senhores daqui é tão suja a moral... É neblina, é fumaça, é o frio deste clima... É casa, é loja, varejo, igreja, é barraco, é mansão, vielas, becos, vielas, viela, beco... mais beco. É este aperto que só. Em Tavancy outonal, o fogo pega, como nunca nas demais estações, e a cequente fumaça esconde os rastros da Caterine encapuzada até as portas nem-tão-secretas-assim das casas de pecado. No outono, Tavancy é esse cu sem dono. Assim, Caterine avançou por sobre as pedras sujas das ruazinhas escuras, rumo a casa dos prazeres. Como pelo menos uma misérrima vez na semana, naquela noite demonstrou pura e insana vontade de nas graças do gozo cair. Correu.
Cá, agora, estava ela. Funestamente jocosa, em meio a todos os demais desbarões outonais. Passeava, vívida e excitada, em meio às luzidas paredes coloridas dos salões de pedra da casa dos prazeres. A Alameda da Glória, de fato, sabia possuir seus mistérios próprios. Por debaixo de uma das pontes da Alameda, uma ruazinha levava a meia porção de vielas e ruelas que escondiam a casa de prazeres secreto. Não sabia quantas mais haviam espalhadas pelo distrito nobre. Nem sabia se ocorria de haver alguma mais. Tinha certeza de que, passada a Ponte do Burgomestre, talvez mais de uma centena de estabelecimentos do tipo deveriam esconder-se em meio às casinhas apertadas e à neblina e fumaça das chaminés. Mas ali no distrito nobre, conhecia apenas aquela. E lhe era suficiente. Luxuosa luxúria aguardava-lhe ali, toda noite outonal, sempre que desejasse entregar-se ao desejo e aos seus exacerbados sentimentos mais ardentes e pulsantes.
De início, a escuridão. Mas ao passo que penetrou o salão, as luzes fracas e tremulantes de pequenas chamas rubras a vigorar por sobre velas coloridas postas junto a castiçais nas paredes de pedra e pequenos lustres junto ao baixo teto, passaram a iluminar-lhe o caminho sala adentro, aos poucos. Não eram muitas, mas em número suficiente para que lhe guiassem, em segurança, o percurso carnal de seus descalços pés macios e brancos. Nada de sapatos por debaixo dos pés das damas. E sem peças escuras. Aos senhores bicudos, entretanto, tudo era permitido. Estava quente, ali dentro. E, muito embora houvesse pouco desde a caminhada ligeira através das ruas e vielas de Tavancy sob o gélido clima outonal, já podia sentir pequenas e ligeiras gotículas de suor a escorrer pelas curvas graciosas de sua extensão corporal. Em breve, o corpo todo ferveria, tomado por delícia. O pensamento, desde já, excitava-a. Não tardaria. Ali dentro, era presa fácil.
Como descrever a delícia e a alegria de uma alma chorosa e tristonha ao acabar-se, voluptuosamente, na luxúria dos prazeres carnais? Só mesmo através da própria indagação: como? É feito o intenso ápice do Allegro non tropo de Tchaikovsky. Palavras não são o suficiente para que se explique aquilo que não pode ser nelas medido. É que não se mete às letras, um vívido orgasmo desvairado. É como no clímax da Pas de Deux. É feito o estrondo de flautins, trompas e cordas, em vivo esplendor, numa íntegra harmonia retumbante. Poderoso entorpecente! As mãos pesadas passeavam-lhe pela extensão passiva corporal. Dançavam, impetuosas, ao longo das costas recurvadas. Os lábios molhados a provocar a poça de fluidos, abaixo. Era o efeito devastador causado pela virilidade alheia. Oh, delícia! Mas isso tudo vem depois. Antes, divertiria-se a lançar olhares para cá e para lá. Para uns e para outros. Não era mera cortesã. Caterine sempre podia escolher o parceiro. Mas essa não era a questão. Bastava-lhe somente uma rígida ponta fálica para a satisfação dos anseios pulsantes. Nada além. Bastavam-lhe as palavras jorradas durante o selvagem coito. Doces mentiras. Os falsos elogios. E não importava-lhe a veracidade dos enunciados e o quanto eram sinceros. Bastava-lhe apenas ouvir o quanto sabia ser-se bem.
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Bacanal Febril
Genel KurguVENCEDOR EM MELHOR DRAMA NO CONCURSO RLD; 3º lugar em Melhor Sinopse no RLD; 2º lugar em Melhor Sinopse no Concurso WIB. Ambientada na medieval e decadente cidade pequeno-burguesa de Tavancy, a trama acompanha as desventuras do recém chegado poeta G...