Faz já algum tempo que ganhei um dos mais belos presentes, quando estive em uma grande guerra. O vento fora tornando-se agressivo e cada vez batia mais em meu corpo físico, lentamente sedimentando-me, incapaz de atingir minha essência. Embora tenha perdido a guerra, ganhei minha liberdade. Afinal, ficar em um único lugar durante toda minha existência era o que o destino me aguardava e, depois que minha amada energia feminina desapareceu, a energia de tudo em volta pareceu muito mais simplória para mim.
Cada grão de areia meu andou por lugares desconhecidos, com energias diferentes. Teve grãos que alojaram-se em campos, cobrindo rasamente folhas de árvores. Esses grãos ficaram rodeados de uma energia libertadora do campo. Outros, alojaram-se em grandes desertos, de energia quente e massiva. Ainda outros, ficaram em cachoeiras, praças, parques... Mas a grande parte de minha essência havia ficado na praia. Dançando conforme a energia da brisa litorânea batia. Respirando a plena paz e intensidade do local.
Mas a paz fora temporária. O ar, com sua energia agressiva e pura, batia na energia mais linda da praia. A energia mais caracterizada pela força feminina que eu já havia conhecido: O mar. E o que mais incomodava era que passava a lua por ali. Passava o sol por ali. Passava a chuva e também muitos animais. Mas ninguém impedia.
E o mar adoecia. Não podia gritar, ao passo que o vento rugia. Sua energia salgava. Era algo dolorido, cruel. Algo podre. O mar arrastava-se pela areia, pedindo socorro. Beijava as conchas em busca de acalanto. Banhava os animais em busca de retribuição. Sofria, silenciosa.
Havia dias que sua energia pesava tanto que todos temiam adentrá-lo. Aquilo o tornava triste e solitário, mesmo nos dias em que o sol saía de seu esconderijo atrás das nuvens para cumprimentá-lo.
E, apesar de toda a dor que o mar sentia, todos achavam lindo. Romântico até. A maneira como o vento batia no mar e formavam as belas ondas, o que deixava o mar agressivo. Fazia-o engolir qualquer energia dentro de si para que a dor passasse. Mas as ondas deixavam de ser belas para o animal que era engolido. Percebia-se na aura o comum desagrado. Mas a única coisa que faziam eram ficar quietos e estagnados, sendo digeridos. Com a exceção de alguns que eram cuspidos para fora e nunca mais voltavam.
Haviam os que faziam por diversão. Suas energias vibravam ao serem engulidos. Era uma energia macabra de felicidade ao ver o vento repetidamente bater no mar. Animais pulavam sobre as ondas, observavam...
E eu? Ficava quieta também, deixando que minha leve e pequena, quase atômica, energia inflasse-se e pesasse. Afundando em mim mesma. Só de sentir a energia dolorida do mar, lembrei-me do que passei. Da luta que vivi. Do modo que me sentia impotente. Fraca.
A quietude fazia com que minha energia se tornasse feita de culpa, sem empatia. Não me fazia bem, somente ditada e pesada. Então, fiz o que deveria ser feito e deixei que o vento me soprasse para longe.
Parti, infeliz, sentindo-me cruel. Porque tive a chance de me recuperar, tornar-me leve e feliz. Mas todos sabiam que o mar não teria essa chance. Permaneceria ali, apanhando e afogando-se na própria dor, até que o sol o secasse.
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Fábulas Epifânicas
Short Story"Do dia em que nasci até os meus 7 anos, fui criada em um ambiente muito interessante. Afastado do centro da cidade, uma área periférica com praia. Nada de asfalto, muitas árvores, terra, barro e, na praia, obviamente, com muitas pedras, mar e areia...